Brinquedos Fisher Price, calcinhas Victoria’s Secret, tacos de golfe Callaway, perua Land Rover. A lista de itens adjetivados por marcas é um traço característico em As Viúvas das Quintas-feiras, de Claudia Piñeiro. As marcas, símbolo de status e de sucesso financeiro, são pinceladas ao longo do livro. No final, o retrato de uma sociedade é percebido pelo leitor. Não vislumbro apenas uma sociedade abastada típica de condomínios fechados, nem depreendi do livro uma crítica apenas às classes altas. Um paralelo entre o comportamento das classes abastadas e das classes menos favorecidas poderia ser traçado, e perceberíamos grandes semelhanças.
Entrar numa favela de São Paulo não é algo corriqueiro ou permitido a qualquer um. Quase toda favela tem um líder, alguém que precisa autorizar a entrada, ou então que saberá da presença de um intruso em pouco tempo após o estranho adentrar em seu território. Marcas e grifes também são sonho de desejo e consumo de jovens e moradores destas comunidades. Ao invés de tacos de golfe, preocupam-se com os tênis e óculos escuros. Guardadas as devidas proporções, o paralelismo dos dois mundos é factível e revela enormes semelhanças.
Semelhanças que indicam algo muito característico do mundo contemporâneo – e criticado por Claudia Piñeiro nas entrelinhas de sua obra -, um mundo que se baseia muito mais na apareência do que no conteúdo. Daí a frase de Rilke ser muito propícia para esta discussão.
Julgamos as pessoas pela aparência, na maioria das vezes. Esquecemos o conteúdo, as qualidades, os princípios. A busca desenfreada – e ressalto o desenfreada – pela beleza, por tratamentos estéticos, por dietas suicidas, onde mulher busca igualar-se ao um padrão dado pela indústria e pela televisão. Um padrão uniforme, que dissolve as diferenças e torna todas muito semelhantes. Perde-se a unicidade, a beleza do individual, a beleza do ser diferente.
O mundo pasteuriza certas condutas e valoriza mais a aparência. Numa passagem de As Viúvas das Quintas-feiras, o filho de Virginia – a protagonista do livro – é incluído numa lista dentro do condomínio por ser um potencial consumidor de droga. Ele fumou maconha algumas vezes. Virginia se desespera, muito mais preocupada com “o que vão falar” do que com a saúde do filho, com as causas do consumo da droga, com a forma como sua conduta contribuiu para esta conduta. Importa a aparência e não o conteúdo.
Não vou escrever um post gigantesco - se bem que as idéias querem ganhar o papel -, e vou terminar apenas citando alguns outros exemplos disto. No Estadão de hoje (p. D14), a crônica Nosso Avesso, de Luis Fernando Veríssimo aborda o tema de outra forma. Escreveu: “Você e eu também temos a personalidade que aparece e os seus fundos, e quem vê nossa cara (que é o nosso avesso, como escreveu a Clarice Lispector) nem sempre adivinha a confusão que tem lá atrás.”
A aparência ganha força também no modo como as coisas são ditas. A palavra democracia, por exemplo, foi definida de forma obtusa nesta semana que passou. O povo passou a ser o detentor da sabedoria divina, independente da existência de direitos e garantias individuais. Mussolini e Hitler foram eleitos pelo povo e mantiveram-se no poder com o apoio popular. A democracia pode ser aparente, mas é preciso avaliar o conteúdo do regime que se diz democrático. Em outras palavras, não importa o regime, o que importa é o exercício do poder. Acrescento: e como este poder é exercido.
Mas isto, é outra história e exige um outro post.
Entrar numa favela de São Paulo não é algo corriqueiro ou permitido a qualquer um. Quase toda favela tem um líder, alguém que precisa autorizar a entrada, ou então que saberá da presença de um intruso em pouco tempo após o estranho adentrar em seu território. Marcas e grifes também são sonho de desejo e consumo de jovens e moradores destas comunidades. Ao invés de tacos de golfe, preocupam-se com os tênis e óculos escuros. Guardadas as devidas proporções, o paralelismo dos dois mundos é factível e revela enormes semelhanças.
Semelhanças que indicam algo muito característico do mundo contemporâneo – e criticado por Claudia Piñeiro nas entrelinhas de sua obra -, um mundo que se baseia muito mais na apareência do que no conteúdo. Daí a frase de Rilke ser muito propícia para esta discussão.
Julgamos as pessoas pela aparência, na maioria das vezes. Esquecemos o conteúdo, as qualidades, os princípios. A busca desenfreada – e ressalto o desenfreada – pela beleza, por tratamentos estéticos, por dietas suicidas, onde mulher busca igualar-se ao um padrão dado pela indústria e pela televisão. Um padrão uniforme, que dissolve as diferenças e torna todas muito semelhantes. Perde-se a unicidade, a beleza do individual, a beleza do ser diferente.
O mundo pasteuriza certas condutas e valoriza mais a aparência. Numa passagem de As Viúvas das Quintas-feiras, o filho de Virginia – a protagonista do livro – é incluído numa lista dentro do condomínio por ser um potencial consumidor de droga. Ele fumou maconha algumas vezes. Virginia se desespera, muito mais preocupada com “o que vão falar” do que com a saúde do filho, com as causas do consumo da droga, com a forma como sua conduta contribuiu para esta conduta. Importa a aparência e não o conteúdo.
Não vou escrever um post gigantesco - se bem que as idéias querem ganhar o papel -, e vou terminar apenas citando alguns outros exemplos disto. No Estadão de hoje (p. D14), a crônica Nosso Avesso, de Luis Fernando Veríssimo aborda o tema de outra forma. Escreveu: “Você e eu também temos a personalidade que aparece e os seus fundos, e quem vê nossa cara (que é o nosso avesso, como escreveu a Clarice Lispector) nem sempre adivinha a confusão que tem lá atrás.”
A aparência ganha força também no modo como as coisas são ditas. A palavra democracia, por exemplo, foi definida de forma obtusa nesta semana que passou. O povo passou a ser o detentor da sabedoria divina, independente da existência de direitos e garantias individuais. Mussolini e Hitler foram eleitos pelo povo e mantiveram-se no poder com o apoio popular. A democracia pode ser aparente, mas é preciso avaliar o conteúdo do regime que se diz democrático. Em outras palavras, não importa o regime, o que importa é o exercício do poder. Acrescento: e como este poder é exercido.
Mas isto, é outra história e exige um outro post.
3 comentários:
Acho que tudo que é em excesso, é prejudicial.
Dar importância demais ao "ter" e não ao "ser", deturpa valores e conceitos.
É legal ter, poder comprar as coisas que o dinheiro pode oferecer, mas sempre sabendo dar o devido valor.
vc já percebeu o quanto as pessoas estão iguais?
todas tentando se enquadrar na boaiada padrão??
E quanto mais se olha pra fora, mais se esquece de sentimentos, pensamentos e emoções...
Outro dia li um texto do Botter no Blônicas e lembrei de vc. Acho que vai gostar.
boa semana!
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