sábado, 31 de dezembro de 2011

Conto: Final de Ano


FINAL DE ANO


Curioso como o medo se transforma com o tempo, ele costumava dizer e narrava sua própria história de vida para ilustrar sua tese.  Quando ele a conhecera, tinha medo, um verdadeiro pavor que lhe tirava o sono, de que não iria continuar a conversar com ela no dia seguinte. Era temeroso de que iria perdê-la, sem mais nem menos, a qualquer momento, de que ela iria se irritar com ele, iria se cansar dele, e de sopetão lhe dispensaria, diria com todas as letras que não queria mais compartilhar momentos com ele.

Aos poucos os dias viraram meses, os meses períodos mais longos, e estes períodos alguns poucos anos. Deu-se conta de que o medo que sentia, na verdade, era um sentimento possessivo e egoísta; queria ela só para ele e temia perder uma exclusividade da qual nunca gozara - nem poderia desfrutar da exclusividade. Estava tomado de uma paixão aprisionadora, apesar de jamais ter dividido com ela este impulso. Tinha ciúmes que lhe arrasavam, mas engolia silenciosamente toda paixão descontrolada. 

Seu egoísmo possessivo cedeu lugar a uma amizade que julgava mais verdadeira, sincera e desinteressada.  Continuava a maravilhar-se com o fato de sentir-se tão próximo de alguém que se encontrava a quilômetros de distância e com quem conversava pessoalmente apenas esporadicamente. Domou as paixões desenfreadas - sem deixar de admirá-la -, e deu vazão ao carinho acolhedor, ao abraço terno, ao colo consolador, às palavras energizadoras, ao sorriso deslumbrado, ao ouvido atento ao mais singelo sinal de preocupação ou aflição por parte dela. Bastava uma linha fora do lugar numa mensagem eletrônica que ele pressentia que algo lhe afligia. A sensibilidade se aguçara ao longo do tempo e o medo se converteu em amizade segura.

Pacientemente, apaziguou o medo e pôs-se escutá-la. Ela sabia como delicadamente acalmar o coração temeroso do pobre homem e ajudá-lo a superar a insegurança. Bastavam algumas poucas frases, algumas poucas palavras que brotavam do interior daquela mulher para a paz reinar.  Ele, por sua vez, nunca hesitou em lhe estender a mão e a manifestar com gestos e palavras a importância de sua presença em sua vida.

Ele aprendeu, como fez todos os finais de ano desde que a conhecera, a celebrar silenciosamente esta amizade fruto de respeito e admiração, fruto de carinho fraterno, fruto de uma sintonia que o universo presenteara a ambos. Repetirá neste ano que finda o brinde com um sorriso estampado no rosto e dirigirá a ela palavras carinhosas e o agradecimento por todas as memórias vividas e por mais um ano que se passou.


domingo, 25 de dezembro de 2011

Epígrafe Natalina


"Mas não havia anjos apenas ao redor do pastor: estavam por toda a parte. Encontravam-se pousados na gruta, na montanha ao redor dela e esvoaçando pelo céu. Chegavam andando em grandes multidões pelo caminho, e ao passar paravam para ver o Menino. Reinavam entre eles um júbilo e uma alegria indescritíveis, cânticos e brincadeiras, e tudo isso pôde ele ver na noite escura, na qual antes nada vira. E também ele se alegrou tanto de que os seus olhos se tivessem aberto que caiu de joelhos e deu graças a Deus. 


Mas, ao chegar a este ponto, a vovó suspirou e disse:


- E o que aquele pastor viu, nós também podemos vê-lo, pois os anjos revoam sob o céu em todas as noites de Natal, desde que tenhamos olhos para vê-los.


E a seguir pôs a mão sobre a minha cabeça e disse:


- Você não deve jamais esquecer disto, pois é tão verdadeiro como é verdade que eu vejo você e você me vê. O que importa não são luzes nem lâmpadas, o que importa não é o sol nem a lua; o que é necessário, isso sim, é que tenhamos olhos capazes de ver a Glória de Deus."

(Selma Lagerlöf. "A Noite Santa" in Contos de Natal. São Paulo : Ed. Quadrante, 2005,  p. 17)

A romancista sueca Selma Lagerlöf tornou-se em 1909 a primeira mulher a ganhar o prêmio Nobel de Literatura.

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Quantos natais você ainda têm?


Estendo um afetuoso convite a você, meu querido leitor, para caminhar ao meu lado pelas linhas a seguir. Volte no tempo. Reative na memória os natais da infância, na casa da avó ou da tia, com toda a família reunida, a noite quente, os apertos na sua bochecha, os comentários repetidos de como você cresceu, como você está grande, como você está bonito, o olhar comprido lançado ao presente que o primo ganhou e que você julgou ser melhor que o seu presente, a cardápio repetido e aquele peru que nunca que lhe agradou - mesmo com molho, o refrigerante à vontade - afinal era noite de festa -, não ter que ir para a cama cedo e poder ficar brincando e correndo e jogando bola com os primos. 

Quando se consulta a memória sobre estes eventos, há uma avalanche de bons sentimentos e lembranças. Lembro dos meus natais quando era criança com enorme carinho e nostalgia. Não me refiro a uma nostalgia negativa e pejorativa, saudosa de tempos que não voltam; refiro-me a uma nostalgia boa, à lembrança daqueles que já partiram e não convivem mais conosco. 

Com o passar dos anos, a maturidade batendo à porta, costumo deixar o olhar varrer a sala na noite de Natal, olhar silencioso e atento, e lembrar dos meus avós, tios e parentes que acompanham a celebração junto do Menino Deus. A prece brota do coração, imperceptível aos presentes, mas vigorosa e eleva-se até os céus. 

Não consigo imaginar a noite de Natal sem os familiares ao meu redor. Gosto do encontro, gosto dos reencontros e do momento. Gosto de congelar as imagens que permaneceram vivas na minha mente enquanto eu viver e que manterão vivos estes entes queridos. Fotos captadas pelo olhar e álbuns de fotos que são revistos por todos. Alguns podem deixar os olhos marejarem na deliciosa viagem pela memória, mas todos felizes ao rememorar um passado do qual fomos parte.

Não sei quantos natais terei ainda. Aos 40 anos, a vida deixa de parecer infinita, mas isto em nada desanima ou suga a seiva vital. Isto apenas traz consigo a serenidade de saber que sou uma criança caminhando ao encontro do Pai, ao encontro do pequeno menino que nasceu numa manjedoura numa noite como aquela. Em Belém, uma família estava reunida. Agora, somos nós que nos reunimos, cada um com os seus familiares.

Um gesto é mais eloquente do milhares de palavras. Aproveite a noite de Natal para dar aquele abraço, responder ao cartão de natal (ou os votos de feliz natal recebidos por email), enviar aquelas palavras de carinho, abrir um sorrisos todo especial ou rezar por aquela pessoa tão querida - ainda que ela não saiba ou tenha se esquecido de você. A noite de Natal é mágica e é capaz de transformar cada gesto singelo em um infinidade de bençãos e de alegria duradoura.

Um Feliz e Abençoado Natal a todos os amigos e leitores deste blog e a todos que nos fazem companhia nesta longa jornada!

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Anedotas de viagem

Embarque do voo da Gol para Caxias do Sul, hoje pela manhã no Aeroporto de Congonhas (SP). Passageiro na minha frente vai caminhando pelo finger quando percebe que o avião é da Varig. Para. Dá meia volta e diz em voz alta:

- Este deve ser o portão errado. Meu voo é da Gol.

Antes que ele me atropele, acalmo-o:

- É este o voo mesmo, não tem erro. É a mesma porcaria.

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Resposta ao comentário de um leitor


Bom... achei bem vago o post, quanto ao título. Existem sim muitas e inúmeras formas de pensar, assim como um padrão na linha de raciocínio. Como a estatística. Toda sua interação é condicionada por vários fatores, entre eles momentâneos e acumulativos, assim como fatores bioquímicos como os genes, falta de alimentação, o que gera uma necessidade e uma atenção pra um assunto diverso, como por exemplo, uma vida, um hábito e um costume... são combinações que fazem um mundo tão complexo, acho o tema interessante, e se quiser pra ser posto em discussão.

Este comentário foi feito pelo leitor Guilherme Crepaldi Ferreira da Silva que edita o blog Identidade. Agradeço seu comentário, sua visita e leitura do blog. A crítica exige uma resposta e a resposta vem para a frente do blog, pois o post Formas de Pensar é de 31 de maio de 2007. Tive que reler o post para poder argumentar com você, pois sinceramente me lembrava apenas que o post tratava das diferenças entre o raciocínio masculino e feminino e convidava para uma discussão sadia.

Faço uma preliminar antes: este blog não tem cunho científico. O post, assim como tantos outros, tem um cunho mais humanístico e literário. É um exercício de investigação da personalidade masculina e feminina e do comportamento. Quando abordei o tema, fi-lo com o intuito de escrever uma crônica leve sobre o tema e valorizar estas diferenças. 

O post é vago e tenta ser provocativo, no sentido de incentivar o debate. Tanto é assim que se você ler os comentários deixados origingalmente no post, perceberá as posições diferentes sobre o tema e a riqueza de contribuição dos leitores.  Cada análise revela uma forma de pensar e de analisar a realidade. Acho que o objetivo foi alcançado, pois depois de 4 anos, o tema volta à tona para debate. 

Sinta-se à vontade para retomarmos o diálogo por aqui ou através de um post no seu blog.


terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Dilma: a mudez e a omissão


Carlos Lupi foi defenestrado do governo. Nada de novo. Era uma demissão anunciada há tempos. Ele resistiu bravamente, ficou firme, parece até ter lido nosso Manual de Sobrevivência de Ministros. Mas sua hora chegou. Até a Comissão de Ética da Presidência havia recomendado a sua exoneração, algo quase inédito - para a comissão neste governo. Aliás, poderíamos indagar se a Comissão de Ética fiscaliza e recomenda algo ou se apenas chancela as maracutaias. 

O fato é que Lupi foi o sétimo ministro a deixar o governo. A corrupção está espalhada por todos os cantos do governo e por todos os ministérios como nunca antes neste país. Dilma ensaiou uma certa limpeza, uma postura de aparente intolerância com a corrupção, mas parece que a faxina acabou. 

Dois pontos revelam que a postura de Dilma é preocupante. Em primeiro lugar, seu reiterado e repetido silêncio diante dos fatos e acontecimentos com seu ministério neste primeiro ano de governo. A presidente é uma líder muda. Talvez esbraveje e grite durante as reuniões reservadas, mas ela não governa para um partido, ela governa para o povo brasileiro - aqueles que votaram e aqueles que não votaram nela!

Lula era o mestre do improviso e da besteira; Dilma é silente e enigmática, seu pensamento sobre certos temas é uma incógnita, e quando desata a discursar é confusa na linha de raciocínio.

O segundo mais grave foi a revolta diante da recomendação da Comissão de Ética da Presidência de que o ministro Carlos Lupi deveria ser exonerado (leia mais aqui). A revolta da presidente não deveria ter sido manifestada. Ao manifestá-la, comprometeu todo o sistema de controles e fiscalização que existe no governo para evitar a corrupção e a uso indevido do dinheiro público. Em outras palavras, a privatização da coisa pública ou o loteamento dos cargos no governo, algo tão típico deste governo que termina seu nono ano. Trata-se de um gesto que revela uma postura autoritária e anti-democrática, algo que indica um desrespeito por órgãos de controle no âmbito da administração federal.

A desmoralização de uma recomendação da Comissão de Ética da Presidência fulmina sua própria razão de ser. Se suas recomendações não servem para nada, se a presidente não vai acatá-las, então por que não extinguir o seu funcionamento e seus cargos? Pelo menos assim, haveria um pouco de economia de dinheiro público.

Em suma, Dilma precisa se posicionar: ou compactua com a corrupção nos ministérios, ou não aceita este tipo de conduta. O silêncio e sua mudez indicam a omissão da presidente, e ser omissa neste caso, equivale a concordar com a roubalheira.


quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Epígrafe - XIII


"Eu nunca havia imaginado deixar o sofrimento à parte, e agora me dou conta de como era mais fácil viver agarrada a ele, sempre uma justificativa."

"Há pessoas que chegam para nos destruir. Outras para nos salvar. Marie-Ange foi uma destas. Não fosse eu tê-la conhecido na praia, ainda estaria presa a casa e ao passado." 

"Um único segundo, um único olhar, nenhuma razão, e a certeza de que ali, naquela manhã de praia, a minha vida mudaria de forma definitiva. De que ali, naquela manhã de praia, a minha se dividiria ao meio: antes e depois de Marie-Ange."

(Tatiana Salem Levy. Dois Rios. Rio de Janeiro : Record, 2011, p. 11 e 13)


Três pequenos trechos escolhidos a dedo e extraídos do novo livro de Tatiana Salem Levy. Neste período de final de ano, com tantas confraternizações e encontros, não resisto a pensar naquelas pessoas que realmente são importantes na minha vida - ou que foram e já partiram.

A narrativa envereda pelo caminho deste marco divisório na vida de Joana. Marie-Ange surge de forma inesperada, imprevisível, e sua vida se entrelaça com a de Joana. O encontro é fruto do acaso, sempre ele. A mudança significativa ocorre e tudo parece ganhar uma nova dimensão, uma nova perspectiva.

De vez em quando somos brindados por estes momentos do acaso, onde conhecemos pessoas que nunca mais deixam de ter um lugar especial no nosso coração.