segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Crônica: Bosque



BOSQUE

Os passos tornaram-se pesados, arrastados, entregues ao cansaço da longa caminhada. Parecia que as pernas cederiam, bambas, e que não teria mais forças para dar um passo sequer. Sentou-se num tronco morto, caído por entre as árvores do bosque, derrubado talvez por um raio, ou infestado por cupins pequeninos, mas que unidos, haviam devorado a seiva da árvore até que ela fraquejasse e tombasse.


A luminosidade que penetrava por entre a copa alta das árvores cheias de folhas e flores começava a escassear. Era um final de tarde de primavera, próximo do final do ano; um dia quente e úmido. Iniciara a caminhada cheia de ímpeto e força; ao longo do caminho, meio sem rumo, distraída pela rotina do andar, pelo crepitar das folhas e dos galhos, ela se perdera e vira a vivacidade do olhar transmudar-se em temor. O medo brotava sorrateiro provocando um leve arrepio.

Olhou ao redor. As árvores pareciam iguais, como se fossem de plástico e todas tiradas de um mesmo molde. As folhas no chão encobriam qualquer sinal de caminho ou rastro de trilha. Estava perdida, embaralhada, confusa. Pressentiu a cegueira que viria com a noite e a escuridão. Tudo já estava escuro no seu interior. O medo parecia congelar seu raciocínio e o desespero iniciara sua tática maligna de confundir.

Ficou de pé, num arroubo de coragem e persistência. Não podia desistir, não podia ceder, não poderia se deixar vencer por suas fraquezas. Precisava de companhia, de alguém por perto para lhe dar a mão e guiar seus passos. Mas não havia ninguém por ali, somente ela. Lembrou-se de tantas e tantas vezes em que estava cercada de pessoas que não viam sua aflição, seu clamor silencioso por ajuda. Novamente, pensou em desistir e ficar por ali, ao relento e sucumbir.

Ela era tinhosa. Pegou um pau no chão para usar como apoio e possível arma de defesa se algum animal lhe surpreendesse e deu um passo. Depois outro e mais outro. Retomara a caminhada, mesmo cegada pela escuridão, mesmo solitária, mesmo perdida. Era preciso lutar, era preciso viver. O que parecia um sussurro longínquo, dito ao pé do ouvido, encheu-lhe de esperança. Talvez fosse somente o vento, mas ela via aquele rosto de feição paciente a lhe dizer o que somente ele poderia lhe dizer. O vento parecia trazer-lhe estas palavras, a dizer-lhe coisas que somente ele via nela, mais ninguém. Ela era sim o que ele repetia incansavelmente até ter a certeza de que as palavras haviam penetrado em sua cabeça dura. Caminhar era preciso, lutar era preciso, viver era preciso. E um dia haveria de encontrar novamente aquele sorriso perdido. Bastava, para tanto, sair do bosque escuro.

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

OSGEMEOS estão em mostra na FAAP



Luminescence


Uma caixa de madeira, de formato cúbico, com cada lado medindo aproximadamente 1,5m. Numa das faces deste cubo, um rosto desenhando com spray, no melhor estilo dos grafites coloridos e artísticos que podemos encontrar nas ruas da cidade grande. Esta cabeça apóia-se sobre outra cabeça e o observador é convidado a entrar na escultura. Abaixa-se e ingressa num universo de espelhos e luzes, com uma sensação de poder “ver” o infinito. Ou ficar maravilhado com singela, mas fascinante, representação do interior da cabeça humana. A instalação denomina-se Luminescence.


Esta instalação está disponível para visitação no Museu de Arte Brasileira da FAAP com a exposição Vertigem, que apresenta obras de Gustavo e Otávio Pandolfo, artistas brasileiros conhecidos como OSGEMEOS. Aberta em 25 de outubro, a mostra permanece até o dia 13 de dezembro de 2009.


Ana Carolina Ralston comenta que "a exposição Vertigem retrata um mergulho profundo no sentimentos desse universo criado pelos irmãos. Plasmando ideias cotidianas e criando cenas reconhecíveis através de uma mistura harmônica com o abstrato. As instalações, assim como todo o espaço criado pela dupla, sugerem uma divertida comunicação que explora os sentidos visuais, auditivos e táteis. A música, porta de entrada essencial para o mundo fantástico dos artistas, realiza uma interação individual e coletiva, colocando nas mãos de cada um o poder das palavras e dos sons. Tudo para que se possa entrar em uma viagem em busca de si mesmo, da luz e da sombra que existem dentro de cada um de nós. Uma experiência que nos faz submergir em todas as formas de um mundo mágico paralelo e condizente com a realidade."

Estive na mostra no último final de semana e fiquei agradavelmente surpreso com o que encontrei. Quem estiver passando por São Paulo, vale a pena. A entrada é franca.





terça-feira, 24 de novembro de 2009

Lula e Freud

O discurso de nosso grande líder merece ser visto. O vídeo é curto e garante muitas risadas. Fico pasmo com a capacidade criativa de nosso presidente. É muita besteira para um único homem.

A incorporação do vídeo foi desabilitada, então, meus caros, tem que clicar no link para acessar o vídeo.

Uma pérola destas não poderia passar batido.

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Quebrando o silêncio



"Um banco separado, provavelmente para a direção escolar. O silêncio de uma igreja, não, simplesmente o silêncio que importava, um silêncio que não poderia acabar com qualquer palavra. Um silêncio que transformava palavras em esculturas, monumentos do elogio, da advertência ou da sentença destruidora."
(Pascal Mercier, Trem Noturno para Lisboa. Trad. Kristina Michahelles, 3a. ed., Rio de Janeiro : Record, 2009, p.158)

Alguns temas me fascinam e se encadeiam sorrateiramente em posts inesperados. O silêncio é um destes temas que vivem passeando por este blog, e que foram objeto dos últimos posts. Seu entrelaçamento temático é inadvertido, não proposital. Talvez por que tenha dedicado mais tempo para refletir sobre o tema, ou talvez por que o tema tem pontuado minhas leituras. Enfim, o tema surgiu, aqui se instalou e agora amadureceu.

O trecho transcrito acima é do excelente livro de Pascal Mercier. Raimund Gregorius, professor de línguas clássicas em uma escola na Suíça, tem um encontro com uma mulher numa ponte a caminho do trabalho. A voz dela, a sonoridade do português arrebata-o e extirpa-o de uma rotina. Inicia-se uma viagem física, mas também interior do protagonista.

O silêncio permeia seus questionamentos e suas dúvidas, suas hesitações, seus medos. Gregorius é um homem solitário e sozinho. Os dois conceitos não são sinônimos. Solitário é aquele indivíduo que não tem ninguém ao seu redor; não tem amigos; não tem família. O indíviduo sozinho é aquele que pode estar rodeado de pessoas, mas carece do amparo humano. O indivíduo só é um homem mergulhado na solidão.

Mercier conduz seu leitor por uma viagem que aguça os sentidos. O professor de línguas prende-se ao som (audição), à forma como as palavras se organizam (visão), à delicadeza da capa de um livro (tato), ao perfume do novo e do velho (olfato) e ao gosto intragável de certas palavras e expressões (paladar).

Desta forma, o protagonista, tomado pela sonoridade de uma voz, encontra em seu âmago a coragem para quebrar grilhões e lançar-se em uma viagem para o novo. E tudo isto inspirado pela palavra.

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Flerte com o silêncio

Flerto com o silêncio na alta madrugada. Acometido por insônia, estou desperto. Mais desperto do que gostaria e o sono parece fugir-me. Mente acesa, apesar dos olhos cerrados. A escuridão contrasta com a claridade dos pensamentos, das ideias que se encaixam como peças desenhadas por uma máquina de precisão. A angústia que espantou meu sono inunda minha alma e teima em deixar-me.



Então, um sussurro mudo penetra o pensamento e traz consigo uma sensação de calma e tranquilidade. Não é um sonho, pois estou lúcido. A voz alegre acompanhada de um sorriso, com inflexões que tão bem reconheço, me acalma. Sim, era tua voz que precisava ouvir. Sim, só tua voz poderia romper o silêncio e apaziguar minha aflição. E fazes isto. Sempre fazes isto!


Repentinamente, o silêncio se torna eloquente e o discurso traz um alento inesperado, mas desejado e querido. As palavras pensadas tem um rumo certo e aninham-se na alma arredia, que se acalma enternecida pela sabedoria despejada. O sono retorna ao meu leito e volto a sonhar.

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Apagão, blecaute ou ET de Itaberá?



Em uma semana de notícias pitorescas, não vou deixar barato e especular. Digo pitorescas, pois alguns acontecimentos são dignos de uma boa piada. Desde a loira da Uniban até Dilma Roussef explicando, com a paciência de mãe do PAC, que não houve apagão, mas sim blecaute. Tudo bem, há um equívoco técnico na precipitação da divulgação do evento, mas pior de tudo é a versão dada pelo Governo. Repito: versão.

Todo evento ou acontecimento desagradável, ou escandoloso, deste governo ganha uma versão oficial, como se fazia nos tempos de Goebbels, ou no romance 1984, de George Orwell. Cria-se uma "verdade" e todos passaram a adotá-la como verdadeira, sem investigar, questionar e remediar. Isto é algo recorrente neste governo.

Então, como hoje é sexta-feira 13, resolvi sugerir algumas versões que podem ser utilizadas pelo Governo para explicar o incidente com as linhas de transmissão de Itaipu (que em tucanês é sinônimo de blecaute para petista):

Foi a loira da Uniban que escalou uma torre de transmissão com aquela blusa comprida, digo vestido, e massa revoltada derrubou a torre.
  1. Foi um tucano que pousou na linha de transmissão fugindo do desmatamento em Mato Grosso do Sul e morreu eletrocutado, causando um curto-circuito.
  2. Segundo um relatório sigiloso da CIA repassado por Barack Obama ao "Cara", uma nave extraterrestre pousou em Itaberá atraída pelo nome da cidade, que em tupi guarani significa "pedra brilhante", o que acarretou uma interferência magnética que provocou uma queda de energia momentânea, acarretando uma reação em cadeia de falta de energia.
  3. Foi um hacker russo que resolveu testar a confiança do sistema energético brasileiro e como ele tinha ouvido falar em "mensalão", achou que podia faturar um por aqui.
  4. Segundo Reinaldo Azevedo, foi um curto-circuito entre os petistas que comandam Itaipu e os peemedebistas que comandam Furnas.
Fiquem à vontade para acrescentar mais algumas versões.

Antes de encerrar, segue o trecho da nota oficial divulgada pelo INPE e tirem suas próprias conclusões sobre a versão oficial:

"Segundo os especialistas do Grupo de Eletricidade Atmosférica (ELAT) do INPE, embora houvesse uma tempestade na região próxima a Itaberá, com atividade de raios no horário do apagão, as descargas mais próximas do sistema elétrico estavam a aproximadamente 30 km da subestação e cerca de 10 km distantes de uma das quatro linhas de Furnas de 750 kV e a 2 km de uma das outras linhas de 600 kV, que saem de Itaipu em direção a São Paulo.

Para os especialistas do ELAT/INPE, a baixa intensidade da descarga registrada (menor que 20 kA) não seria capaz de produzir um desligamento da linha, mesmo que incidisse diretamente sobre ela, segundo dado da Rede Brasileira de Detecção de Descargas (BrasilDat), que no momento do apagão estaria operando com ótimo desempenho. Em geral, apenas descargas com intensidade superiores a 100 kA, atingindo diretamente uma linha, poderiam causar um desligamento de linhas de transmissão operando com tensões tão elevadas como as linhas de Itaipu (duas de 600 kV e duas de 750 kV)."

terça-feira, 10 de novembro de 2009

Uma cena em várias versões.

O filme "A Queda" retrata as últimas horas de Adolf Hitler em seu bunker. A criatividade brasileira resolveu dar uma nova versão, ou melhor, duas versões para as cenas. A segunda é mais divertida e já foi publicada no post No Palácio da Alvorada, em fevereiro de 2008. A primeira trata do espetáculo midiático e de sucessão de erros que se tornou o caso Uniban.

A versão da Uniban:




A versão dos cartões corporativos:

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Poesia: SILÊNCIO


Noite Estrelada, Vincent Van Gogh


SILÊNCIO

Sob o céu frio reclino
no leito recostado
e o pensamento viaja para ti
para o teu lado.

O silêncio incomoda
tortura a alma perdida
repleta de angústia
perplexa
calada
imersa na ausência de sons
sem rumo.

Sozinho, te anseio
teus lábios
teu aroma
teu ser!

terça-feira, 3 de novembro de 2009

O plágio e a preguiça

Dois escritores conhecidos resolveram abordar o mesmo em seus artigos nestes dias: Lya Luft, na Veja, e Arnaldo Jabor, na edição de hoje do Estadão. Ambos trataram de artigos supostamente atribuídos a eles, mas que não foram escritos por eles. A semelhança das opiniões retrata bem um problema corrente nos dias em que a informação circula rapidamente e certos desmentidos são impossíveis.

Frequentemente recebo por email artigos que teriam sido escritos por Arnaldo Jabor. Na maioria das vezes, os textos são apócrifos. Alguém resolveu atribuir a Jabor um texto, e talvez para dar maior credibilidade, circula o texto como se fosse dele. Jabor se revolta em sua coluna no Estadão. Lya Luft faz o mesmo. Entendo perfeitamente a revolta deles. Já recebi textos atribuídos a Drummond, a Fernando Pessoa e outros grandes escritores, mas uma pesquisa mais aprofundada revela que a discrepância da autoria.

Sou bastante chato quando se trata de dar crédito a quem merece o crédito. Por esta razão, sempre que reproduzo trechos de livros, tenho o livro em mãos e faço questão de indicar a referência bibliográfica. O plágio é um ato criminoso contra o direito autoral, contra a criação intelectual. Um ato preguiçoso ou, algumas vezes, cheio de má-fé e inveja.

Sejam mais críticos ao receberem um texto. Duvidem, procurem, pesquisem antes de atribuir um texto a determinada pessoa. O autor, com certeza, agradecerá.