domingo, 2 de novembro de 2008

Crônica: Fio de Luz





FIO DE LUZ



A insônia tinha-o impedido de descansar durante a noite. Dormiu mal. O rádio-relógio marcava 5 e alguma coisa. Não conseguiu reconhecer a hora exata pois a vista ficava embaçada sem os óculos. A casa ressoava um silêncio que era apenas interrompido pelo barulho de um ou outro ônibus que passava pela rua. Ao longe, ouviu um pássaro solitário a cantar e aquele som deu-lhe a certeza de que o dia nasceria em breve.

Deitado de costas, olhava fixamente para o teto do quarto completamente escuro. A ansiedade da conversa que teria no final do dia roubou-lhe o sono. Sentia-se cansado, a cabeça levemente pesada, como se tivesse bebido muito na noite anterior. Pelo contrário. Recolheu-se cedo na companhia de um livro. Leu poucas páginas. Releu as páginas pois não havia prestado a mínima atenção. Seus pensamentos oscilavam e divagavam. Lia, sem compreender, sem se atentar para a história. Foi tolo, pois naquelas linhas poderia ter encontrado um pouco de paz ou um exemplo a seguir. Poderia ter descoberto a coragem que necessitava. Poderia ter achado um fio de luz para iluminar a escuridão de sua mente confusa, das palavras que lhe escapavam e teimavam em se embaralhar, impedindo-o de organizar as idéias e de saber o que dizer a ela.

Virou-se para a janela. Um fio de luz atravessava uma pequena fresta da janela entreaberta. Fez-se o desenho de uma linha reta e iluminada na parede branca do quarto. A luminosidade da manhã trouxe consigo a luz. Como um encantamento, seu olhos seguiam a reta que se revelava e aparecia para quebrar a escuridão da dúvida que lhe assolava. Tudo clareava e passava a fazer sentido, como se aquela pequena fresta trouxesse consigo o código para desvendar sua alma.

Sentou-se na cama, esfregou os olhos, aproximou os joelhos do peito e abraçou as pernas. Aquele fio de luz era um presságio. Percebeu que tinha todo um dia pela frente e que falar o que pensava e sentia não podia ser adiado. Não havia porque perder mais noites de sono, de remoer o passado, de cultivar angústias, de nutrir sentimentos e inseguranças. Era preciso tomar uma decisão, fazer uma loucura e seguir. Sim, era preciso abrir mais que uma fresta da janela, mas escancará-las. Arrombá-las com força e deixar jorrar o sentimento e as palavras guardadas no seu âmago, palavras que corroíam seus órgãos e matavam-no lentamente, qual poderoso e doloroso veneno. O medo o aprisionava. Aquele fio de luz cortou as amarras, como uma lâmina de navalha. Naquele instante, descobriu dentro de si uma coragem inimaginável.

Não iria esperar até o jantar. Iria esperar o relógio marcar uma hora decente, pegaria o telefone e ligaria para ela. Era chegado o momento de não titubear. Respirou fundo, transparecendo alívio e um sentimento interior de profunda certeza. Ele teve a certeza, pela primeira vez na vida, de que era hora de atirar-se e falar.

2 comentários:

Edna Federico disse...

Às vezes andamos como cegos em busca de uma luz, quando é só abrir os olhos e ela está lá.
Beijo

Borboletinha disse...

Adorei! Seu corajoso é o oposto da minha malvada ;)
Quem dera todos os homens fossem como ele.
bjs