sexta-feira, 6 de junho de 2008

Crônica: Véspera


VÉSPERA


Um leve fiapo de lua riscava o céu ainda claro da tarde de outono, como se a sorrir. Estava no trânsito, a passos lentos, ou melhor, parado num infindável mar de carros. Coisa rotineira de São Paulo. O céu com um azul menos vibrante, mais frio, presságio da noite gélida que me aguardava. Esta era a previsão do tempo que ouvira pela manhã no rádio. Os tons são menos fortes, menos definidos do que no verão. Ao menos é o que me parece. Uma daquelas impressões que temos e que em nada afetam nossas vidas, mas quando surge a primeira oportunidade, desfiaremos toda uma teoria de como a inclinação do eixo da Terra faz com que a luz incida de tal e qual modo, fazendo com que o céu tenha tons pastéis e variantes do azulado. Raramente fica avermelhado, como fogo. Sempre amarelinho ou azulzinho e suas matizes.

Tudo isto pouco me importava. A lua me inspirou. Fiquei a sorrir, hipnotizado pelo sorriso que se desenhava ao seu redor. O céu tornara-se minha tela de pintor e deitei os traços do seu rosto na abóbada celeste. Não havia estrelas ainda, pois o dia ainda estava claro, lentamente escurecendo. O tíbio calor da tarde se esvaía e parecia todo armazenado dentro de mim. Estava inquieto. Uma inquietação pueril de véspera. Véspera de viagem, véspera de festa de aniversário, véspera de Natal, véspera de algum evento qualquer que na infância parecia ser sempre o mais importante do mundo. Era véspera de viagem e véspera de aniversário. Tudo junto, tudo próximo. E desta vez, ia vê-la perto de seu aniversário. A viagem coincidira na data certa. Bem, claro que houve uma certa intervenção minha. Afinal, não custa nada dar uma forcinha para o destino.

Uma euforia discreta, que eu disfarçava, borbulhava dentro de mim. Água no fogo, ainda longe do ponto de ebulição, mas aumentando de temperatura a cada minuto. O tempo precisava passar rápido, precisava lotar minha agenda para que todos os dias passassem rápido. Voltei aos meus 12 ou 13 anos. Sempre fui inquieto, sempre ansioso. O tempo passou e isto se aquietou, quase extinguiu esta inquietude. Mas ultimamente, coisa de 2 anos para cá, a inquietação voltou. E sempre perto destas viagens. Sempre nos dias que antecediam nossos encontros.

Notei meu coração a dar cambalhotas, fazendo estripulias internas. Nem reparei no trânsito. O caminho fora feito no automático. Já estava em casa, e de volta à realidade. Bastava aguardar. Aguardar até a próxima semana.

3 comentários:

Anônimo disse...

É...O TRÄNSITO DA CIDADE TB TEM ME INSPIRADO MUITO....CONFESSO QUE MEU BLOQUINHO DE ANOTAÇOES GANHA UM DESTAQUE ESPECIAL NESSAS HORAS...ACREDITO QUE SEJA A MELHOR FORMA DE ENCARAR FILAS DE CARROS E HORAS DE ESPERA SEM PERDER A GRAÇA!

BEIJO E BOM DOMINGO!

BABI SOLER disse...

A lua como sempre pano de fundo para momentos únicos.
Dá até para esquecer o trânsito e as adversidades.
Boa Semana!

Edna Federico disse...

Ah, a gente viaja nesse trânsito.
Beijo