O post anterior trouxe um trecho da escritora inglesa, Jennifer Egan, onde ela afirma que ao rever fotos dos filhos pequenos fica triste, pois nota a passagem do tempo e a passagem do tempo traz ímplicito o sentimento de perda.
Olho a foto acima e não sinto tristeza, nem sou acometido de um sentimento de perda de uma infância que ficou na memória. E na memória ela ficou e permanece viva, tendo contribuído na construção daquilo que hoje sou. Sim, a foto acima é minha e foi tirada por volta dos 2 anos de idade.
Li a frase, marquei-a e trouxe para o blog. Discordo dela, mas arriscaria dizer que as personagens de Jennifer Egan e seus romances devem trazer esta melacolia como pano de fundo. John Banville (
O Mar e Os Infinitos) e Ian McEwan (A Praia), ambos ingleses, tratam do tema com a mesma nostalgia e uma ponta de revolta diante da perda.
Esta melancolia é um aspecto cultural de alguns povos e encontra-se inserida na postura das pessoas. O fado português é essencialmente um cantar de saudade, de tristeza, de perda. Os ingleses, com seu humor ácido, tendem a seguir esta mesma linha, tão bem sintetizada por Jennifer Egan. O passar do tempo é sinônimo de perda. Pessimismo este tão característico dos países do norte europeu.
O passar do tempo é inexorável. Unstoppable. Iniciada a vida, o cronômetro começa a correr e não há como pará-lo. Poder-se-ia dizer que cada início de dia é um dia a menos na vida, ou um dia mais perto da morte. Prefiro pensar que cada início de dia é um dia a mais que ganhamos e que temos para viver.
As crianças não conhecem a morte, não compreendem o fim. A ideia de morte vai se imiscuindo no cotidiano de forma sorrateira. É comum terminarmos a faculdade - ou até o ensino médio - com um colega a menos, aquele cujo tempo se expirou e não completou a jornada universitária. Sempre pensei que este escolhido deixa-nos um recado, lembra-nos de nossa finitude e de que a vida é passageira.
Aprendemos, então, a conviver com a perda. Na fase adulta, compartilhamos a alegria das novas vidas que nascem e a tristeza daqueles que se vão. Parece que tomamos consciência de nossa temporalidade nesta fase, valorizando o tempo com que desfrutamos com os mais velhos e rejuvenescemos diante do sorriso pueril dos pequeninos.
Recentemente, dei-me conta que o número de pessoas pelas quais rezo devido a alguma enfermidade tem aumentado. A lista era pequena, mas foi crescendo, assim como foi crescendo o número de pessoas que conheci e que já morreram. Fulano descobriu um câncer, beltrano vai ser operado do coração, sicrano teve um AVC.
Na velhice, imagino que olharei para os dias passados e agradecerei o tempo que me foi dado. Cada dia, com suas alegrias, tristezas e contratempos. Espero ser grato o suficiente e poder gozar da misercórdia de Deus a perdoar todos os meus inúmeros erros.
O tempo é professor que ensina, ainda que a contragosto, com a realidade fria; aplaina o ego exaltado com a tomada de consciência de nossa condição e treina-nos na humildade; não aceita desaforos e desperdícios, cobrando a responsabilidade daqueles que o desprezam. O tempo foi criado de forma sábia para que os nossos olhos não fiquem grudados apenas no terreno, mas que aos poucos saibamos erguê-los para o sobrenatural. A vida tem seu tempo exato. Não nos cabe avaliar e julgar se vivemos pouco ou muito; vivemos o suficiente.
Não vejo o passar do tempo como perda; vejo o passar do tempo com alegria de poder crescer, aprender, vivenciar e até sofrer. A perspectiva da vida retratada em fotos e em memórias é uma prova de que a vida não é perda, é ganho, e o tempo um presente divino.