quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Crônica: Lampejo


Borboletas e Papoulas, Vincent Van Gogh

LAMPEJO

Foi o reflexo do sol na tela do computador que a dispersou do trabalho. Estava tão concentrada que nem vira a tarde passar. Aquele sol, tímido, poente, ao adentrar pela janela conduziu-a para longe. Fechou os olhos, respirou fundo. Quando reabriu os olhos, deixou o olhar correr para fora da janela. Um olhar distante que não se fixa em ponto algum; parecia contemplar o infinito, mergulhada em profundo devaneio.



O coração bateu mais forte, um leve suor umedeceu suas mãos. Procurou uma foto dele, sem óculos escuros, para poder sentir o olhar penetrante, um olhar que parecia abraçá-la, envolvê-la por completo. Ainda que levemente triste, ele sempre a olhava como se ela fosse a única mulher existente. Ele fazia-a sentir incrivelmente preciosa.


Lembrou-se do último encontro, em que ele a levou para passear de moto. O vento no rosto, o medo que a fazia abraçá-lo com mais força e sentindo-o mais perto, como se estivessem unidos àquela máquina de metal a formar um ser unitário. Tudo aquilo revelava um espírito aventureiro que ela imaginava sepultado desde a juventude. Agora, com o passar do tempo, percebera que a seiva da vida voltava a pulsar forte em suas veias, irrigando-a de energia e vivacidade.


Repousou os olhos sobre a foto que a hipnotizava e a transportava a lugares longínquos, produto de um estupor momentâneo, mas que era ao mesmo tempo sublime e causava certa angústia e aflição. Ansiava por aquela liberdade que pensava não existir, por uma certa rebeldia que julgava incapaz de aceitar, por aquele sentimento confuso que reaparecia no seu âmago.


Estava confusa com todos estes fatos que se precipitavam diante dela, como o lampejo de um raio numa tempestade de verão. Não queria que aquele momento terminasse e o que sentiu naqueles segundos, apenas ela saberia. Seria e permaneceria um segredo íntimo, guardado eternamente.

Um comentário:

Srta. Rosa disse...

Hum... isso me soa BEM familiar. Rá.

Besos,