quinta-feira, 28 de maio de 2009

Crônica: Vazão



VAZÃO

Precisava dar vazão às palavras que irriquietas pulavam e saltativam no meu interior. Algazarra de crianças dentro de um ônibus que ruma para uma excursão numa tarde qualquer. Barulhentas, ansiosas, as palavras enfileiraram-se no papel, aparentando ordem e disciplina que não existia no turbilhão interno de onde foram confeccionadas. Redemoinhos de sentimentos, que viraram pensamentos, que viraram palavras. Assim como as crianças, difíceis de controlar  e de saber que peça iriam me pregar. 

Dei vazão às palavras. Coloquei-as no papel. Enviei a mensagem. O inquieto passei a ser eu, no aguardo de que ela lesse aquele amontoado de ideias, de sentimentos, de palavras doces. Reli a mensagem e tive a sensação de que Fernando Pessoa estava certo: todas as cartas de amor são ridículas. Senti minha pele enrusbescer. Senti-me um idiota cujas palavras não diziam nada e seriam incompreensíveis a ela. Um nó formou-se na minha garganta, passei a suar frio, a cadeira parecia ter pregos a me espetar e tudo por causa de um estúpido email que resolvi enviar. 

Poderia muito bem ter-me calado, silenciado e ela nunca saberia de todas as sentimentalidades, de todos os desejos, de todas os delírios que se passaram na minha cabeça. Sentimentos restariam adormecidos e seguiriam calados comigo pelo resto dos meus dias. Mas, resolvi dar vazão às palavras. 

Lancei-as ao vento e não pertenciam mais a mim. Elas agora eram do mundo, ou melhor do mundo dela, só dela. Talvez ela não lesse a mensagem, pensei, mas isto era improvável. Respirei fundo e deixei os ombros cairem. Só me restava esperar e esperar. 

Fui deitar-me, pois já era tarde, assim como hoje. No meio-sono, tomado por uma certa embriaguez natural deste momento mágico em que mergulhamos nos braços de morfeu, senti como se ela me abraçasse. O toque de suas mãos me envolvendo, percorrendo meus ombros, me puxando contra si e me abraçando, trouxeram-me o sorriso e uma paz plena. Fui tomado de um estupor indescritível. Seus cabelos roçavam no meu rosto e ela sorria para mim. Poderia tê-la tocado, mas era ela que me tocava. Adormeci com a inequívoca certeza de que havia feito a coisa certa ao dar vazão às minhas palavras mais íntimas.

2 comentários:

Anônimo disse...

As palavras no vento foram tão longe, e chegaram algumas até mim.
Elas me trouxeram aqui, pediram para serem devolvidas.

Bjs!

Edna Federico disse...

Hum...e ela respondeu o quê?????
Curiosidade feminina, é fogo...hahahahhahahahaha.
Beijo