terça-feira, 3 de março de 2009

Um livro e uma entrevista de emprego


Um leitor, ao manusear um livro novo, depara-se com o incerto, com a aura de mistério que a história narrada naquelas páginas guarda. Provavelmente leu a contracapa do livro, ou um resumo, ou uma crítica, mas serão as primeiras páginas que revelarão o sucesso ou não em cativar o leitor e conduzi-lo até o final. As primeiras páginas introduzem o personagem com suas características, caráter, manias, vícios, qualidades. Se o leitor for cativado por aquele ser abstrato, mas tão real que nos identificamos, prosseguirá pelos meandros da narrativa.

Em O Filho Eterno, de Cristovão Tezza, tive uma repulsa inicial ao protagonista. Orgulhoso e altivo, trata-se de um sujeito que se sente superior em relação a todos os mortais à sua volta. A forma como ele aborda o nascimento do filho me deixou indignado. Ressalto que não estou a fazer uma crítica do livro – muito bom e denso -, pois ainda não o terminei e creio que o escritor tinha exatamente este objetivo ao traçar seu protagonista.

A ojeriza que senti em relação ao personagem me fez pensar em quantas entrevistas de emprego realizei e quantas vezes descartei o candidato (ou candidata) nos primeiros 10 minutos de conversa, ou seja, nas primeiras páginas. Acho que um livro novo é como uma entrevista de emprego. Analisa-se a capa e um pouco do conteúdo que são descritos num currículo. Alguns – muito criativos – são rejeitados como aquelas capas de livros que mais parecem folhetins. Outros por sua vez, são tão sucintos que mal se pode deduzir algo acerca da pessoa. Há também uma série de obviedades que não deveriam mais constar de qualquer currículo – e faço questão de dizer isto ao entrevistado. Um exemplo refere-se aos conhecimentos de informática. De nada adianta a pessoa incluir no cv que é usuário de Word, internet Explorer e Windows. Aproveito para emendar a pergunta: "Você sabe usar o Excel? Sabe fazer uma planilha de atualização de conta de liquidação de sentença?". A resposta é negativa, quase sempre.


Vencida a etapa inicial, o personagem revela-se diante de meus olhos. Começam então os problemas mais básicos como postura, forma de falar, vocabulário, atitude e habilidade em dialogar. Parece óbvio o que escrevo? Pode ser, mas diria que estas qualidades são cada vez mais raras e difíceis de encontrar em alunos de faculdades de direito. Certa vez ouvi de uma candidata de uma excelente faculdade de São Paulo que ela tinha escolhido fazer direito, "porque Direito é punk, cara!" Não preciso dizer que a entrevista quase acabou naquele momento e quando ela foi embora soltei um "Valeu pelo papo!".

Quem sabe uma boa técnica para um candidato ter sucesso numa entrevista seja espelhar-se nos grandes escritores. É preciso saber o que revelar nas primeiras páginas do livro; é preciso saber o que revelar nos primeiros minutos de uma entrevista. Em tempos de crise, o candidato precisa cativar o recrutador com criatividade, sem repetir chavões e frases feitas. Pense como o escritor que revela traços do personagem de forma cadenciada, afinal ninguém precisa saber que você adora sair na balada e beber até cair, mas contar que você se relaciona muito bem com as pessoas mais diferentes e tem facilidade em se adaptar pode ser uma qualidade muito bem valorizada.

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