quinta-feira, 19 de março de 2009

Crônica: Voz no silêncio

(Pôr do sol em Punta Del Este)


VOZ NO SILÊNCIO

- Eu gosto do final de tarde – ela disse com uma voz hesitante, como se tateasse um quarto escuro e não pudesse ver as coisas ao seu redor, como se aquelas palavras fossem a senha para deixar vazar o que tinha dentro de si e que ganhava coragem para falar-lhe. – Você não gosta? – emendou a pergunta retórica, enquanto seus dedos brincavam com o isqueiro sobre a mesa e o olhar baixo, desviando dos olhos de Roberto.

- Eu gosto sim. – respondeu sem firmeza, esperando ansioso o que viria a seguir.

- Fico com um sentido de vitória quando chego ao final do dia, como um corredor que vê a linha de chegada, estende os braços no ar e é tomado de um sentimento de missão cumprida. Mais um dia! Não que encare isto de forma negativa, mas é um sinal de sobrevivência, de luta constante. O pôr do sol me traz um sentimento de alívio, que me inunda. Um sentimento de serenidade que aumenta com o cair da noite, com a escuridão e o silêncio que vem com o avançar das horas, quando a cidade parece adormecer e o menor ruído é facilmente notado.

E continuou sua fala observando o olhar atento de Roberto na tentativa de descobrir o que se passava naquela cabeça, na tentativa de ouvir sua voz no silêncio dos pensamentos.

- Gozado que não me sinto sozinha. Não temo os momentos solitários, que são quase diários. Tenho prazer nesta solidão aparente que permite ficar a sós comigo mesmo, a me ouvir.

- Mas como assim, aparente? – perguntou, inquieto e um pouco incomodado pelo discurso solitário que se descortinava diante dele, como se ela declarasse que não havia espaço para ele na vida dela.

- Aparente porque preencho estes momentos com pensamentos deliciosos, com boas memórias e lembranças, com música, com leituras...ou simplesmente fico olhando o céu e a noite, à procura de estrelas escondidas no céu claro da cidade.

Ela fitou-o e sorriu. Um sorriso maroto acompanhado de um olhar que lia seus pensamentos. Com o dedo indicador, tocou-lhe a ponta do nariz.

- Eu sei o que você está pensando seu bobo! Estes momentos são muito melhores quando você está comigo! Não se preocupe. Posso parecer estar só, mas muitas vezes tenho você no pensamento. – e o sorriso fácil tomou-lhe o rosto.

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