segunda-feira, 16 de março de 2009

Pedaços pelo caminho

24 de setembro de 1983.

Boa conversa com Carlos Drummond de Andrade, pelo telefone. O poeta ainda se sente alquebrado com a operação a que se submeteu, há poucos dias, para ablação da próstata.

E ele me diz, na sua voz quase apagada:

- Para viver, depois de certa idade, temos de ir deixando os pedaços de nós mesmos pelo caminho
.”
(MONTELLO, Josué. Diário da Noite Iluminada. Rio de Janeiro : Nova Fronteira, 1994, p. 419)

Deixar pedaços de nós mesmos pelo caminho. O poeta, com sua simplicidade mineira, fazia referência ao sentido físico da expressão. Ou talvez não!

No convívio diário, deixamos pedaços. Sementes lançadas ao vento, ou derramadas cuidadosamente no solo fértil para florescer. Sementes que brotam em forma de sorrisos, de uma palavra amiga, de um olhar carinhoso, de um abraço singelo, de um ouvido atento.

Pedaços íntimos da alma que o poeta desvenda em seus versos e rimas. Pedaços humanos nascidos de uma epifania única que se prolonga no tempo para os leitores.

Pedaços que um escritor utiliza para construir suas personagens, que hão de ser absorvidos por alguém em algum tempo em algum lugar. Não há data certa para que aquele ser fictício imaginado pelo autor venha a inspirar, a dar coragem, a mexer com um jovem – ou adulto, ou velho – que folheie o livro.

Pedaços todos nós deixamos ao longo da vida. Que estes pedaços sejam sempre bons e férteis!

Ontem fez 3 anos que Josué Montello faleceu. Ele deixou seus pedaços pelo caminho. Pedaços valiosos. Pedaços que tornam um momento rotineiro em momentos de descobertas.

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