instagram: @rbueloni Cemitério Gethsêmani no início da primavera, setembro 2019 |
MEMÓRIA: CEMITÉRIO
O cemitério é um lugar familiar para mim. Sempre gostei de
visitar cemitérios por dois motivos: pesquisas genealógicas e contemplação
artística.
Desde meus 13 anos de idade ganhei gosto por pesquisa
genealógica. Nunca busquei algum antepassado genial ou famoso ou importante ou
rico. O que sempre fascinou foi a história, o passado, a luta de cada pessoa
para sobreviver, para mudar de um país para outro e tudo isto é possível
resgatar em documentos. É uma espécie de pesquisa arqueológica, onde se
descobre como as pessoas viviam. Cemitérios são uma importante fonte de
pesquisa e de dados. O Cemitério do Araçá e o Cemitério São Paulo foram
visitados por mim várias vezes. Talvez eu seja uma das únicas pessoas da
família que sabe o caminho até os jazigos naquele emaranhado de ruas parecidas
entre os túmulos.
Nestes passeios pelos cemitérios, percebi que há uma riqueza
arquitetônica escondida, silenciosa, pronta para ser admirada e descoberta. No
Cemitério da Consolação, há um tour com guia que explica cada uma das
esculturas encomendadas a artistas famosos como Bruno Giorgi, Emendabili e
Victor Brecheret. No Cemitério São Paulo, há obras monumentais de beleza única
e algumas tristes e melancólicas. Nunca me senti incomodado nestes lugares.
Acho curioso como o brasileiro trata cemitério com um certo
receio, um medo de adentrar naquela local onde repousam nossos antepassados.
Porém, é comum encontrar brasileiros no Cemitério da Recoleta, em Buenos Aires,
ou no Cemitério Pére Lachaise, em Paris. Alguns túmulos são verdadeiras
atrações turísticas. Por outro lado, após o sepultamento de um ente querido,
muitos esquecem até o cemitério onde estão enterrados.
Há pouco mais de um ano e mês atrás fui ao cemitério do
Araçá para fotografar as placas do túmulo de meus bisavós com os nomes e datas
de nascimento e falecimento. O cemitério estava deserto naquela tarde de sábado
do final de novembro de 2018. Fiquei ali mais de uma hora, contemplando,
refletindo sobre a vida e a morte. O ano de 2018 havia sido um ano difícil e tudo
parecia caminhar para um final de superação da luta contra o câncer, tanto da
minha mãe, como do meu pai.
Um mês antes havia comparecido ao velório da mãe do meu
cunhado no cemitério do Morumbi. Um cemitério jardim, um lindo campo gramado
com árvores e flores e jazigos no chão. Não há obras de arte, mas há uma
serenidade acolhedora naquele local. Meu pai comentou para minha mãe que
precisava comprar um jazigo. Ouvi a conversa sem fazer qualquer comentário.
Apenas ouvi e pensei que de fato é algo que faz parte da nossa rotina.
Pouco depois, no dia 23 de dezembro de 2019, meu pai
faleceu. Ele foi enterrado no Cemitério Gethsêmani, em São Paulo. Desde então,
visitar o cemitério passou a ser parte da minha rotina quinzenal ou semanal. Algumas
visitas curtas e outras mais longas. Em todas, reflito sobre a morte, a vida e
rezo, crente de que ele deixou este mundo para contemplar a face de Deus. Visu sin beatus tuae Gloriae.
Escrevi estas linhas mentalmente diversas vezes nestes
meses. Por diversas vezes iniciei o texto diante do túmulo de meu pai. Não tinha força para escrevê-las. Mesmo agora, impossível escrevê-las
sem que as lágrimas de saudade brotem. Um amigo psicólogo havia me alertado que
o primeiro ano de luto é o mais difícil e que demora um ano para bem elaborar o
luto. Um ano se passou e ainda que sinta saudade, a memória que fica guardada é
sempre positiva e alegre. Neste Natal ele não estará presente entre nós
fisicamente, mas tenho a certeza de que está olhando e intercedendo por nós lá
de cima.
Ir ao cemitério, para mim, ganhou um novo relevo, uma nova
razão. Deixei de ver o cemitério como um lugar triste e a lembrança do velório
e do enterro – ainda tão vivas – deixaram de ser doloridas para se tornarem uma
celebração da vida e da ressurreição. Todos morreremos um dia, descansaremos.
Para os católicos, esperamos chegar ao Céu e alcançar a vida eterna ao lado de
Deus.
Talvez alguém se pergunte a razão deste texto fúnebre num
dia festa. Repito, não vejo a morte como algo que devemos temer ou algo
melancólico. Há a dor da perda, mas há algo muito mais profundo que cada um de
nós precisa refletir e descobrir. O tempo passa e as pessoas se vão.
Nestes dias que celebraremos o Natal, em família ou ao lado
de amigos, aproveitemos para desfrutar de quem está do nosso lado. Façamos
desta celebração um momento para perdoar, para acolher, para estender a mão e
construir novas pontes, para abraçar a quem tanto estimamos. Não guarde aquela
palavra de carinho, solte-a, lance a semente do bem a quem está à sua volta,
mande aquela mensagem ao amigo que está distante, não tema ser generoso,
bondoso, afável. Como diz a canção Trem
Bala, “sorria e abrace teus pais enquanto estão aqui”. Um dia, eles alçam voo
para junto de Deus.
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