SÓ VOCÊ
Caminhavam lado a lado num final
de tarde de pleno verão, a conversa alegre, a voz feminina que deixava notar
uma alegria discreta e contida; ele mais ouvia do que falava, mas gostava
assim. O sol iniciava sua saída do palco exuberante da geografia carioca e
deixava a sombra tingir o paredão de prédios na Graça Aranha. O movimento
intenso no Centro começava a amainar com
as pessoas procurando o metrô, os coletivos, a barca, o caminho de seu repouso.
O céu azul completava o cenário quase perfeito, como se desenhado e projetado
pelo melhor e mais genial cenógrafo. Haveria algum cenógrafo capaz de imaginar
e conceber uma cenário como a Cidade Maravilhosa? Improvável, só Ele poderia
ser capaz de presentear aqueles dois seres que caminhavam imersos em sua
conversa, em seus sorrisos, em seus olhares.
Estavam tão próximos que ele teve
vontade de segurar a mão dela, de sentir seus dedos entrelaçados com os dele,
algo que parecia tão distante, quase esquecido. Andar de mãos dadas deixara de
ser algo presente e se tornara um hábito da juventude, de paixões intensas e
efêmeras, de momentos do passado, guardados e esquecidos. Desabituara-se a tal
gesto.
Foram alguns quarteirões em busca
de um ponto de táxi, ele torcendo para não encontrar nenhum, ela estendendo seu
caminho, ambos evitando o momento da despedida. A saudade cobra sua fatura
quando a despedida se aproxima. Chegado o momento, na esquina da Graça Aranha
com a Santa Luzia, abraçaram-se. O abraço apertado, mas cuidadoso para não
ressurgir a dor nas costas que ela sentira poucos dias atrás, as mãos deslizando
pela maciez do tecido da blusa.
Ele fechou os olhos
instintivamente e apertou-a contra seu corpo, como se ela fosse sua única tábua
de salvação em alto mar e que pudesse lhe conduzir pelas águas turbulentas após
um naufrágio. Não havia solidão espaço para solidão e nem para a saudade. O
breve momento parecia congelar o tempo e tudo ao seu redor perdera a
importância. Difícil é deixar partir! O longo abraço de despedida era uma vã
tentativa de eternizar o momento e impedir que a inevitável partida.
Um beijo no rosto, um sorriso e a
partida.
Entrou no taxi e acompanhou-a com
o olhar encantado.
O sol poente tingiu o céu de tons
róseos. Avistou o Cristo ao entrar no Santos Dumont. Lá de cima, Ele parecia
sorrir e esperar um agradecimento pelo dia. Uma breve oração que brotou do
coração.
Aconchegou-se na cadeira do
avião, do lado direito, na janela. Tudo calculado e pensado. Reparou na música
que brotava calmamente do alto-falante do avião. Os versos coroavam a peça da
qual tinha sido protagonista. Além de cenógrafo, Ele é bom sonoplasta. E com
Tom Jobim ecoando, ele novamente fechou os olhos e começou a acompanhar a
letra:
É, você que é
feita de azul
Me deixa morar
nesse azul
Me deixa encontrar minha paz
Você que é
bonita demais
Se ao menos
pudesse saber
Ela estava bonita demais naquela
tarde. A tarde estava bonita demais, mas ela estava mais. Ele O avião decolou,
fez uma curva para a esquerda, logo para a direita e ele avistou Copacabana
iluminada com a noite caída. Desejou-lhe boa noite e seguiu pensando nela. A
saudade acalmada, mas sentida. A verdadeira dimensão da saudade só é notada no
momento do reencontro, quando o tempo revela sem piedade o peso da ausência.
Alguns dias depois, quase que por
acaso – ou novamente guiado pelo cenógrafo, sonoplasta e diretor – encontrou uma
pequena mensagem escrita por ela: “Dia feliz hoje! Muito feliz!” Olhou a data e
sorriu.
NOTA: Caro leitor, se a música de Tom Jobim lhe é desconhecida, escute-a
aqui.