segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Lavras


Centro de Lavras, MG


Nunca foi minha intenção transformar este blog em um blog de viagens, mas o destino quis que nos últimos meses eu me transformasse em um turista jurídico. Tenho conhecido juizados especiais cíveis ao redor do Brasil e nenhum deles despertou-me o interesse suficiente para ganhar um post - ou que merecesse um post.  Por outro lado, as cidades sempre merecem uma atenção especial, ainda que de forma divertida, afinal, uma crônica nada mais é do que um relato do cotidiano sob a ótica do cronista.

Lavras fica no sul de Minas, a uma distância de 370 km de São Paulo e 300 km de Belo Horizonte. O caminho é belo e o café é muito bom. Uai, afinal aqui se produz muito café e laticínios. A visão do cafezal aguça o paladar e, ao chegar, logo procurei um lugar para tomar um café. Não me decepcionei.

A cidade, como tantas outras do interiorzão deste nosso Brasil, tem seu ritmo próprio. Achar um restaurante aberto numa segunda à noite não foi tarefa das mais fáceis. E às 22 horas, o comércio que ainda estava aberto, cerrou as portas.  

Pouco antes das 10 da noite o silêncio já imperava na rua, como se alta madrugada fosse. Eu trazia nas mãos um potinho de sorvete e caminhava pela praça central da cidade, numa noite quente e agradável, sem qualquer medo ou temor de ser assaltado. Alguns casais ainda namoravam nos bancos de madeira da praça.  Alguns hábitos só são possíveis em cidades especiais como Lavras.

terça-feira, 23 de agosto de 2011

Saber viver

Quando a morte se aproxima, quando a idade avança, percebemos de forma mais significativa se soubemos viver. São momentos em que os remorsos afloram, as implicâncias parecem evaporar, o rancor se dissolve. A doença - sendo mais grave - contribui para este exame de consciência na antesala da porta pela qual todos vamos passar. Lendo o post Leite(s) Derramado(s) da Rachel no Terapia da Palavra pensei em apenas reproduzir o texto com o devido crédito, mas ele me pôs a pensar e resolvi dar uma pequena contribuição minha.

Uma lista de arrependimentos comuns manifestados por pessoas à beira da morte. Este é o tema do post Regrets of the Dying. A lista em inglês está no original e em português no Terapia da Palavra. Não vou transcrevê-la, apenas aguçar a curiosidade dos leitores.

Ao ler a lista lembrei de uma música do Titãs (É preciso saber viver) e de uma propaganda em que um grupo de pessoas numa sala de reunião se admira com a única plantinha num vaso escondido num canto da sala. Temos a impressão de que aqueles "seres humanos" esqueceram de viver, de contemplar a existência à sua volta.





Quando era pequeno gostava de passar horas ouvindo estórias da minha avó e tias avós, ficar conversando com meu avô.  Poderia ter ignorado aquelas estórias, mas ouvi-as pacientemente. Hoje, recordo-as com alegria e emoção, com verdadeiro carinho e feliz de ter dedicado aqueles momentos a eles. São memórias que permanecem e serão repassadas à próxima geração, de forma oral, como a tradição antiga, daquela época em que não havia escrita, não havia papel, não haviam blogs, iPads e email.

Ouvir. Olhar. Falar. Viver. Sentir.  Cada uma destas ações é profundamente humana.

domingo, 21 de agosto de 2011

Pesadelo



Crianças são atormentadas no seu tranquilo sono por monstros, fantasmas, bruxas ou todas aquelas figuras mitológicas que são despertadas no inconsciente por algum filme ou desenho que tenha lhes causado uma impressão mais forte. Adultos são acossados por pesadelos mais diversos e complexos. Tive um nesta noite. Sonhei que meus livros tinham desaparecido juntamente com as estantes em que repousavam tranquilamente.

O larápio surrupiou os livros de literatura e os livros jurídicos. Minha pequena biblioteca - e a do escritório - fora reduzida a pó. O pesadelo rememorou algo que de fato aconteceu, quando alguns livros jurídicos importantes desapareceram das estantes, talvez levados por algum estagiário esquecido (perdoem-me pelo pleonasmo) ou por algum bem intencionado advogado que não sabia o valor de um Menezes Cordeiro ou de um Paulo Bonavides. Voltei a sentir a angústia de descobrir o desaparecimento destes livros no pesadelo que fulminou nesta noite.

Acordei aliviado, mas a ansiedade somente se dissipou por completo quando cheguei ao escritório e pude contemplar os livros que silenciosamente repousam nas prateleiras. Lado a lado, enfileirados, organizados e reconhecidos individualmente. Alguns maiores, outros menores; alguns mais volumosos, outros finos; mas todos com seu valor e sua contribuição. Merecem ocupar o espaço que ocupam. Como reza o dito popular, tamanho não é documento e aqui este ditado é muito verdadeiro.

Meu pesadelo ficou restrito ao silêncio da madrugada e a escuridão da noite. A luz do dia fulminou a dúvida e o pesadelo se desfez.

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Epígrafe - XI



"Pensou nos ventos da vida, porque há ventos que acompanham a vida: o zéfiro suave, o vento quente da juventude que depois o mistral se encarrega de refrescar, certos ventos africanos, o siroco que te abate, o vento gélido da tramontana. Ar, pensou, a vida é feita de ar, um sopro e basta, respiro, depois um dia a máquina para e a respiração termina."

(Antonio Tabucchi. O tempo envelhece depressa. Trad. Nelson Moulin. São Paulo : Cosac Naify, 2010. p. 110)

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Pequenas delícias de um dia na estrada

Um dia na estrada, longe de São Paulo e longe do escritório. Não era passeio, mas quando se faz o que gosta, o trabalho deixa de ser um fardo. Neste final de dia, enquanto jantava só, fui repassando o dia e surgiu uma pequena lista com algumas imagens do dia. Imagens que serão traduzidas em poucas palavras.

1. Céu azul e sol.
2. Araucárias nas encostas dos morros.
3. Passar por lugares que nunca estive antes.
4. Rio Chapecó e vários riachos ao longo do caminho.
5. Casas de madeira típicas do sul.
6. Ouvir pila e guria o dia todo.
7. O simpático Jonas, taxista que me levou a Pato Branco, e seus causos.
8. Portais nas entradas de Coronel Freitas e Formosa do Sul.
9. Cidades com apenas uma rua e ritmo próprio.
10. As colinas verdes, o vale do rio Chapecó e mais Araucárias.
11. Ver a alegria nos olhos dos locais quando elogiei a beleza da região.
12. Cuca de goiabada numa padaria em Chapecó.
13. Caminhar pela cidade sem medo.
14. O pôr do sol do Oeste catarinense.
15. O bife de ancho que só se come no sul do país.
16. Jantar sozinho e ter a memória como companheira. E a memória sabe ser boa companheira num diálogo que passeia por fotos, palavras, conversas e sorrisos.
17. Calçadas sem buraco.
18. A lua quase quase cheia e o tapete de estrelas.

Ah, o trabalho, sim, o trabalho. O processo foi encerrado pois o Autor não compareceu na audiência. O trabalho virou passeio. 

Chapecó

Estou no oeste catarinense, na cidade de Chapecó.  E o que isto tem de especial? Nada, absolutamente nada. Há algumas cidades que parecem me perseguir. Cidades comuns que não atraem turistas e onde estive por motivos profissionais.  Inúmeras cidades médias e pequenas se espalham por este Brasil, com expressão estadual ou apenas regional, mas que movimentam a economia e irradiam desenvolvimento. Chapecó é uma destas cidades.

Na minha primeira passagem por aqui, há cerca de 6 anos, a cidade me pareceu menor. O crescimento é notado facilmente para quem faz parte da vida da cidade, mas passa silencioso para quem é de fora. Imaginando que a cidade seria pacata e demasiadamente tranquila, levei um susto quando fui efetivar a reserva do hotel. As duas primeiras opções estavam lotadas;  a terceira tinha apenas um quarto sobrando. Há um evento de suinocultores esta semana e a rede hoteleira está sobrecarregada, ou seja, quase fiquei sem hospedagem.

Impressiona-me como os pólos regionais geram um círculo virtuoso de atividade econômica, algo que passa despercebido para a maioria dos habitantes das capitais. Quando disse que vinha para cá, muitos não tinham a menor ideia onde ficava.

A cidade guarda este aspecto rural, apesar do desenvolvimento. Caminhando na rua, fui cumprimentado por dois senhores com um leve aceno da cabeça, como se fosse um habitante conhecido. O silêncio é notado quando não se escuta o barulho de veículos após às 22 horas. A cidade adormece cedo e deixa o céu estrelado e a lua quase cheia a contemplar as luzes das ruas. Mesmo neste horário, é bom poder caminhar pela rua sem a menor preocupação de ser assaltado. Algo que só uma cidade tranquila pode proporcionar.

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Um trecho de Murakami

A foto é do blog Fifties.


"Ela interrompe a leitura e volta-se para a janela, que, do segundo andar, permite observar o movimento lá embaixo. Apesar do horário, as ruas ainda estão bem iluminadas e é grande o número de pessoas que vêm e vão. Pessoas que têm para onde ir e as que não têm. Pessoas que têm objetivos e as que não têm. Pessoas que tentam parar o tempo e as que querem acelerá-lo. Ela observa por algum tempo a cidade sem nexo e procura concentrar-se em respirar com serenidade, para depois voltar novamente às páginas do livro."
(Haruki Murakami. Após o Anoitecer.  Tradução do japonês  Lica Hashimoto. Rio de Janeiro : Objetiva, 2009, p. 10)

Pessoas. Estamos cercados de pessoas. Cruzamos com dezenas, centenas ou milhares ao longo de um dia. No trânsito, no metrô, no ônibus ou caminhando pela rua. Rostos que sequer permitem o cruzamento de olhares. Pessoas que seguem suas vidas. Algumas com objetivos, outras sem qualquer rumo. A janela é uma perfeita metáfora para os olhos que inundam o interior com imagens, matéria-prima da produção de sentimentos. Olhos que, como a janela, são uma defesa do que guardamos no interior, que se fecham quando não se quer ver e que sabem esconder o que não queremos revelar.