sexta-feira, 15 de julho de 2011

Audiência

Audiência s.f. (...) 3. Sessão de tribunal na qual se ouvem as partes, as testemunhas e julgam-se as causas.

(Dicionário Escolar da Língua Portuguesa. Academia Brasileira de Letras. 2ª. ed. São Paulo : Companhia Editora Nacional, 2008.)


Curioso como uma palavra faz parte de nosso cotidiano e de repente, num dia qualquer sem mais nem menos, esta palavra revela-se com todo seu sentido. Participar de audiências é da rotina do advogado. Na maioria das vezes, pouco se ouve, pouco se discute e pouco se concilia. Muitas audiências são inúteis e servem para cumprir uma exigência processual. Ontem foi diferente. 

Um sujeito, com deficiência visual, ajuizou uma ação reclamando danos morais por não ter conseguido assistir a um show musical como esperava. Durante quase meia hora, tentei convencer o autor da ação a fazer um acordo. Ele não aceitou e insistiu que tinha direito a ser indenizado pelo dano moral que lhe fora causado - ou pelo menos ele acha que sofreu um dano moral.

Saí com a clara sensação de que o autor é uma pessoa revoltada com sua deficiência, uma pessoa que tenta se aproveitar de sua condição, fazendo-se de vítima. Há tantos exemplos de superação e de força de vontade que levam seres humanos a realizar todo seu potencial independentemente de sua condição física ou financeira. São inúmeros os exemplos que inspiram e que provocam mudanças positivas nas pessoas de sua convivência. A lista seria infindável. Batalhas contra o câncer e outras doenças, pessoas que sofrem acidentes, deficientes com feitos heróicos nos esportes e na produção científica. Para estas pessoas, o obstáculo é parte do caminho, mas jamais uma barreira.

Mas o autor insistia que não havia conseguido VER o show de música. Ora, música não é para ser vista, mas ouvida, assim como uma audiência é uma sessão onde o juiz ouve as partes. Não há necessidade da visão para se realizar o ato, nem há necessidade da visão para apreciar integralmente a música.

Ao final de minhas tentativas frustradas para chegar a um acordo, concluí que o autor da ação não sabe o verdadeiro escopo da música, cuja beleza não é visual, mas sonora, e esta sonoridade é alimento intenso para o espírito. Pobre do sujeito que não compreendeu a essência desta arte.

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