sexta-feira, 1 de julho de 2011

Barcelona dos cinco sentidos


Palau de la Música Catalana, Barcelona



Até um ano atrás a viagem exigia um escala com troca de aeronave, sendo que a primeira parte durava longas doze horas. Na parte final do voo, para coroar o longo trajeto, minha filha e algumas outras pessoas passaram mal gastando o estoque de saquinhos coletores de vômito do Airbus 340 da Lufthansa com destino a Munique. 

Em solo, o primeiro choque cultural. A passagem pela imigração foi tranquila e sem demoras. As instalações do moderno flughafen são amplas, com muita luz natural e arquitetura arrojada. A sensação de estarmos em outro mundo foi sentida de imediato, além da óbvia língua alemã com a qual não tenho a menor intimidade e cuja sonoridade lembra mais um longo desfiar de impropérios do que uma conversa amena.  No terminal de embarque exclusivo da Lufthansa, não faltavam cadeiras e conforto, nem houve aquela ridícula troca constante de portões de embarque patrocinada pela nossa Infraero em todos os aeroportos brasileiros. Havia jornais do dia distribuídos gratuitamente e uma máquina de café e chocolate quente sem que houvesse cobrança pelas bebidas. Tudo organizado, limpo, bem cuidado.

Desde pequeno, sou fascinado por voar. Adoro voar e adoro passar horas nos aeroportos, explorando, vendo os aviões, observando os passageiros. O trajeto até o destino é para mim uma experiência divertidíssima. Devo confessar, porém, que ultimamente viajar de avião deixou de ser prazeroso e se transformou num suplício, com as poltronas apertadas e pouco distantes, serviço de bordo sofrível e nenhum benefício adicional, como aqueles antigos kits de higiene pessoal que o passageiro recebia no voo internacional. Os tempos são outros e agora dê-se por satisfeito se o voo sair no horário.

Voltando à estrada principal após um pequeno – mas necessário – desvio, decolamos para Barcelona. Uma vista fantástica dos Alpes num dia ensolarado e de céu claro, com sol refletindo dos picos cobertos de neve, fez parte do trajeto. Um dos pequenos ficou maravilhado, enquanto a outra sofria ainda com os efeitos da náusea que lhe afligia.

Barcelona, capital da Catalunha, é uma cidade em constante transformação e ebulição. Disseram-me que vinte dias seria muito e que me cansaria, pois a cidade não oferece tanto assim. Discordo efusivamente e retornaria para mais vinte dias por lá sem pensar duas vezes, ou melhor, fugiria do inverno brasileiro para aproveitar o verão catalão.

Barcelona no verão é invadida por turistas de todos os cantos, principalmente europeus do leste em busca de praia e de um pedacinho do Mediterrâneo, que parece uma grande lagoa salgada, de águas calmas e quentes. A mistura de povos, visitantes e residentes, permite ao turista vivenciar e explorar a vida local naquele canto ao leste da Espanha sem destoar do cenário.

O calor é seco e não incomoda quem opta por caminhar a maior parte do dia. Gosto de explorar as cidades caminhando, observando, com liberdade para parar em lojas, livrarias, bares e restaurantes. Um guia de bolso é elemento indispensável em qualquer viagem, pois chama a atenção para locais que poderiam passar despercebidos. Um prédio histórico, uma praça onde determinado fato ocorreu, um restaurante onde Picasso costumava almoçar e encontrar com outros artistas, um mercado renovado e cujo telhado em formas curvas lembra um campo florido ao balançar do vento. Uma boa pesquisa do destino garante esta imersão completa. Sou daquelas pessoas que gosta de aproveitar o tempo degustando o local, extraindo de cada passeio elementos culturais que vão compor minha bagagem na volta, sorvendo o ambiente urbano que dá o tom característico e único de cada cidade, como uma marca d’água indelével.

A estética arquitetônica é instigante em Barcelona. O olhar fica irrequieto, varrendo o cenário sempre a se maravilhar com algo diferenciado e inovador, saltado da prancheta de um famoso arquiteto. A Igreja da Sagrada Família, os edifícios projetados por Gaudí, o Parque Güell, a Torre Agbar e tantos outros edifícios e construções que marcam Barcelona como um showroom vivo e concreto da arquitetura.

A visão, porém, não é o único sentido a ser agradado pela cidade. O paladar e o olfato também são muito bem tratados.  Nos pequenos bares e restaurantes, uma mistura de aroma de alho misturado com a fumaça de cigarro permeia o ar. Decidira que pararia de fumar nesta viagem e aquele cheiro de tabaco era um pequeno consolo para um – agora – ex-fumante. Os temperos e condimentos ressaltam o paladar dos produtos vindos do mar, verdadeiro banquete para quem gosta de pescados e frutos do mar. Servidos a la plancha, ou seja, cozidos na chapa com alho, cebola, sal e pimenta do reino, chegam fumegantes à mesa sem que o gosto seja mascarado pelos condimentos. E vale lembrar que os preços, com a crise na Europa, deixam qualquer boteco de São Paulo parecendo um roubo diante do preços praticados por lá. A Europa deixou de ter preços proibitivos e passou a ser um destino acessível.

Tapas podem ser encontradas em diversos locais da cidade e são um convite a pular de bar em bar. Saborosas, variadas e criativas, as tapas provocam novas sensações gustativas, brindando o paladar com uma explosão de sabores. Ciutat Comtal é um destes formidáveis lugares. Localizado na Rambla de Catalunya, 18, paralela da Passeig de Gràcia, charmosa avenida onde se localizam as lojas de grifes internacionais, o restaurante fica movimentado o dia todo até altas horas da noite, pois os catalães geralmente jantam após as 22 horas.

No Palau de la Música Catalana, a audição é o sentido premiado. Localizado no Bairro Gótico, próximo ao restaurante Els 4 Gats, frequentado por Picasso e pela classe artística de outrora, o grande templo musical foi construído entre 1905 e 1908 por Lluís Domènech i Montaner. No dia de minha visita, Paco de Lucía seria a estrela da noite. O mais renomado guitarrista espanhol, mestre do flamenco com sua batida peculiar que nos remete a imagens de castanholas e uma donzela a dançar com um vestido em negro e vermelho, faria a primeira de uma série de apresentações. Era a última noite em Barcelona e tive que me contentar com a aquisição de um CD duplo de um show que mais se assemelha a uma generosa antologia musical do artista.

A cidade espraia-se entre as montanhas e o mar e pode ser contemplada por inteira do alto de Montjuïc. Um forte utilizado com ponto de resistência durante a Guerra Civil Espanhola, agora convida o indivíduo a olhar pacificamente, a sonhar e a deixar a imaginação viajar. O vento que sopra acaricia o rosto como a pedir que o visitante não se vá, abraçando-o com afeto e convidando-o a voltar sempre. O tato é contemplado coroando o festival de sensações que uma verdadeira viagem deve proporcionar.

Seria Montjuïc o ponto final da viagem? Não, apenas uma pausa para sintetizar e arrumar na bagagem da memória tudo que foi descoberto e tudo que se enriqueceu nestes dias. Nestas linhas não coube tudo e nem poderia caber tudo. Os sentidos agraciados com a fantástica Barcelona nada mais são do que uma forma de enlevar o espírito e nutrir a memória com uma carga cultural renovadora e inolvidável.

(Convidado a escrever sobre viagens, nasceu este post sobre Barcelona, que visitei no ano passado. Mais sobre posts sobre o tema podem ser localizados nas tags Barcelona e viagem).

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