segunda-feira, 20 de abril de 2009

Crônica: Miragem


MIRAGEM


Olhou-a de longe sem que ela percebesse ou notasse sua presença. Seguia-a com os olhos ao longo do corredor até que ela parou diante de uma bancada com vários livros sobre fotografia e arte. Cabelos longos num tom castanho claro, jogados de lado e ele reparou na tatuagem que lhe recobria a parte superior da nuca. Usava um vestido estampado em cores vivas, solto, em estilo tomara-que-caia, que deixava os ombros desnudos, revelando a curvatura do ponto em que o pescoço encontra os ombros. Otavio tinha uma atração inexplicável por aquela parte da anatomia do corpo feminino. Podia imaginar seus lábios beijando o exato local onde ela depositava duas gotas de seu perfume preferido. Não sentiu o aroma quando ela passou, mas traçou o perfil daquela bela mulher e tentou adivinhar o perfume que lhe apeteceria. Quem sabe uma mistura de almíscar e notas cítricas, pensou.

Ajeitou-se na cadeira de forma desengonçada e nervosa. Estava incomodado com a presença dela. Suas mãos indicaram um leve suor a brotar e o coração em batimentos acelerados. Seus olhos percorreram cada detalhe visível daquele corpo que se pintava diante de seus olhos. Hipnotizado pela beleza natural do rosto de traços delicados, sentiu uma certa nostalgia. A morenice carioca era um de seus pontos fracos. O outro era o sotaque. Por mais contraditório que pudesse ser, Otavio, um paulistano nascido e criado em São Paulo, era apaixonado pelo timbre, pela sonoridade do falar carioca. Coisa do passado, coisa de uma paixão antiga que lhe descortinou as belezas do Rio e que ainda não cicatrizara por completo.

A moça folheou alguns livros grandes, com fotos em branco e preto. Depois, pegou um outro do Sebastião Salgado; e mais outro com obras de Miró. Otavio pensou em se levantar e dirigir-se à bancada onde estavam os livros. Tentaria iniciar uma conversa. Parecia congelado de medo. Seus pés estavam colados ao chão. Tomou o último gole de café com as mãos trêmulas. Inquieto, sua vontade parecia hesitante demais para superar aquele pequeno espaço entre o pequeno café no canto da livraria e a local onde repousavam os livros de arte.

Respirou fundo e tentou dominar seus pensamentos. Ao levantar, derrubou a cadeira para trás, que fez um enorme estrondo ao ir de encontro ao chão. Várias pessoas olharam e ele enrubesceu. Quando se recompôs, ela havia ido embora. Olhou ao redor. Nada, nem um sinal daquela mulher. Foi tomado de um sentimento profundo de frustração e de raiva consigo mesmo. Contentou-se quando pensou que talvez tudo não tivesse passado de uma miragem.

2 comentários:

Paula disse...

Interessante pra pensar que tem vezes que vc vê uma pessoa, simpatiza, mas não diz nada e nunca mais vê de novo. Encontros na rua e o outro nem percebe. Gostei do texto.

Srta. Rosa disse...

Wow. Gostei muitcho. ;)