sábado, 23 de agosto de 2008

Crônica: Amiga Imaginária





"Quando se ama não é preciso entender o que se passa lá fora, pois tudo passa a acontecer dentro de nós."

(Clarice Lispector)


AMIGA IMAGINÁRIA


Ele tinha uma mania, ou melhor um hábito, algo adquirido recentemente, coisa de pouco mais de dois anos. Ele parecia uma criança quando estava sozinho no carro, apenas mais um cidadão perdido no lento trânsito da capital paulista. O silêncio interno do veículo era quebrado por um intenso diálogo mental e gestual. Falava, gesticulava, gargalhava, cantarolava. Sem se preocupar com o mundo ao redor, imaginava que tinha uma passageira com ele, sentada ao seu lado. Uma amiga muito bela, de pele levemente morena, olhos castanhos, cabelos longos e uma pintinha no lado direito do rosto. Naquela noite, fazendo o mesmo percurso de sempre, parado no mesmo congestionamento de sempre, ela perguntou num tom de irritação perceptível:


- Como é que você agüenta este trânsito infernal todos os dias?


Ele explodiu numa sonora gargalhada, bateu com as duas mãos no volante arqueando-se para frente, quase chorou de tanto rir. Nem percebeu o olhar estranho do motorista e passageiro do carro ao lado, que sem dúvida o tomaram por maluco.


- Eu sabia que no dia em que você viesse me visitar, ia dizer exatamente isto. Sei que você tem pavor de congestionamento. Mas sabe qual é o meu segredo?


- Qual? – retrucou ela, curiosa.


- Sua companhia! Com sua companhia não há trânsito ruim, dia de chuva torrencial que encharca os sapatos ou cansaço que me impeçam de rir. Meu segredo é você. Meu segredo é conversar com você, mesmo quando não estás fisicamente comigo. Quando está longe, deixo meu pensamento levar as palavras até você. E escuto com atenção, pois sempre me vem uma resposta sua. Estes papos me conduzem pelo caminho e fazem com que dedique estes momentos somente a você. Assim o caminho é sempre divertido, sem que me importe com o trânsito ou aquelas coisas chatas do trabalho.


Ela sorriu encabulada, vermelha como uma pimenta, e esqueceu completamente do trânsito.



3 comentários:

Lila Rose disse...

Lindo!!!

Nas situações chatas do cotidiano ter alguém em que pensar assim, de forma tão gostosa, é remédio.

Bisous.

Fabiola disse...

ai o cotidiano é dificil!!

Anônimo disse...

Put´s..que bom saber que existem pessoas que conversam sozinhas. Eu achava que fosse a única!

Bjo bjo bjo bjo e uma linda semana!