quarta-feira, 28 de maio de 2014

Epígrafe - XXVII




"Nós temos a capacidade de pensar como será o futuro daqui a vários séculos. Comece a tarefa mesmo que ela não vá ser terminada durante a sua vida. Esta geração tem a responsabilidade de remodelar o mundo. Se fizermos um esforço, isso poderá ser realizado. Mesmo que tudo pareça sem esperanças agora, nunca desista. Ofereça uma visão positiva, com entusiasmo e alegria, e uma perspectiva otimista." 

Dalai Lama

(citado por Daniel Goleman, Foco. trad. Cássia Zanon. Rio de Janeiro : Objetiva, 2014, p. 247)

sexta-feira, 23 de maio de 2014

Reflexões sobre ser pai



Foi  numa noite recente  quando a observei falar com desenvoltura e segurança, os olhos traziam um brilho contagiante e as mãos gesticulavam com intensidade. Nunca fora tímida. Sempre extrovertida e atirada, muito falante, sorridente, revelando uma segurança tão própria dela, mas que disfarçava um medo interior que era afastado com um pedido para segurar minha mão ou um abraço longo.

Antes das competições de xadrez, não se sentava diante do tabuleiro antes de me pedir um beijo de boa sorte e algumas palavras de incentivo e confiança.  Nos momentos de dúvida, recorria a mim e o diálogo fluía leve e compreensivo, mesmo em temas complexos, mesmo quando era preciso dizer não – e foram vários “nãos” -, mesmo quando se tratava de algum tema mais espinhoso. Surpreendi-me no começo em como era possível conversar com ela com tanta facilidade. 

Era uma noite de sábado, percebi que a menina deixara para trás a infância e adentrara na adolescência. Iria fazer 13 anos em breve e reparei que naquela noite, seu jeito era diferente. Passamos por duas fases e sinto que uma nova fase da paternidade se inicia. Ser pai é um desafio e um constante aprendizado, um observar, um estar presente, um escutar constante, um gesto de afeto e carinho, um beijo noturno para embalar o sono e os sonhos, um ombro amigo quando a fragilidade infantil ainda se manifesta.  Ser pai é antecipar gostos e adivinhar o pensamento dos filhos, sorrir e abraçá-los quando o choro é inevitável, puxar para cima, dar o exemplo. A lista é infindável. Cansativa? Não, reconfortante e cheia de alegrias.

Mais um ano, mais um aniversário. Vejo-me como um trapezista a balançar no trapézio, no alto do picadeiro, segurando a moça, olhando-a nos olhos e preparando-me  para soltá-la para a vida, lançá-la em  piruetas no ar, confiante de que conseguirá atravessar o espaço e voar até o outro trapézio agarrando-o com firmeza e vontade.


Minha filha fez 13 anos. Com ela aprendi a ser pai e com ela aprendi que a paternidade (e a maternidade também) é um ato generoso de  que Deus que permite a nós mortais participar no processo de criação da vida.

sábado, 17 de maio de 2014

Desassossego - II



Desassossego. Palavra adulta que não cabe na boca de uma criança. Passamos a nos questionar e o desassossego nos faz companhia. É própria do mundo adulto, das inquietações que afligem o ser pensante e que nos foi apresentada pelo inigualável poeta lusitano. Retrata com precisão um estado da alma, mais profundo e que não se percebe na superfície, num sorriso disfarçado, numa lágrima escondida, num tom de voz falso.

Desassossego que vem com a aflição por pagar contas, com a falta de trabalho, com o dia de amanhã, com a semana seguinte, com o chefe neurótico, com a resposta que não chega, com o diagnóstico do tumor que se espera, com o resultado do concurso, com o telefone que não toca, com o silêncio que incomoda, com o pecado que macula e condena. Deixamo-nos levar e esquecemos do hoje.


Desassossego que nos acompanha e se faz presente no mundo moderno, na vida corrida, na hiperatividade, mas que nos enfrenta quando nos deparamos com um espelho e então ele lança a pergunta incômoda, aquela que tentamos fugir atulhando a mente com distrações e milhares de afazeres. Desviamos da resposta que cutuca no fundo da consciência, empurramo-la para depois e a vida segue, com o desassossego como companheiro. Sábio poeta que soube enxergar tão bem a alma humana.

sexta-feira, 16 de maio de 2014

Desassossego


imagem: instagram @rbueloni


Sinto o peso das noites insones, em horários variados, na manhã seguinte. É uma ressaca de você, algo que não deveria ocorrer, algo ao qual deveria ser totalmente indiferente, dar de ombros, olvidar sem demasia. Esquecer parece mais difícil do que viver.

Há dias de calmaria e noites estreladas quando navego no mar plácido e nas águas sem ondas, até que algo dispara o inesperado alarme causando um desassossego na alma. Desassossego. Palavra complicada até para escrever com este monte de esses. Letra sinuosa que retrata tão bem as surpresas e as peças que a vida nos prega. Faz-se uma curva e pronto, depara-se com um nome que dispara uma viagem no tempo da memória e tudo se materializa. O sorriso, a voz, o perfume, o jeito.

Partidas nunca são algo corriqueiro, salvo se tivesse um gélido coração, coisa que descobri ser inexistente. A tranquilidade é afastada de forma imprevisível, quando a solidão cala fundo e tua ausência se faz tão presente. Sei que um dia não haverá espaço para isto e lágrimas serão poucas e hão de secar. Basta ler teu nome que os momentos de inquietação me tomam o ser e isto ocorre na quase totalidade das vezes.

Sinto o desassossego daquilo que poderia ter sido e não foi, sinto o desassossego de não ter tido mais tempo, de não poder me despedir. E terei eternamente saudade daquilo que não foi.

terça-feira, 6 de maio de 2014

O penico




Poderia ser um penico, daqueles de ágata branco e com borda preta, igual ao que existia na casa de minha avó e em tantas casas de avós e fazendas pelo interior do Brasil. Um penico que, depois que as crianças cresciam, era usado para brincar na banheira para o desespero de minha avó que achava inconcebível usar o penico como baldinho ou como pequena bacia para derramar água sobre os cabelos.  Penico que perdeu seu uso com o tempo e virou objeto de decoração, com tom nostálgico de um passado onde o tempo parecia ter outro ritmo, onde a interação das pessoas era feita de forma direta, sem o intermédio de aplicativos e pequenos aparelhos eletrônicos.

Poderia ser um penico só para você. Um penico para que você despeje tudo que quiser, jogue todo o lixo, todo desabafo, todo o choro, toda a raiva, todo e qualquer excremento que queira se livrar e lançar fora. Meus ouvidos poderiam ser um penico e quem sabe, de tanto lixo, seria capaz de perder a paciência com você, de me irritar e desencantar. Passaria a te evitar e você descobriria que o amigo não existia.


Mas há um sério risco em ser penico, há o outro lado da moeda. Lixo pode ser transformado em adubo e adubo pode servir para fertilizar jardins e terra estéril. E da terra improdutiva, após fertilizada, podem nascer flores e árvores para acolher pássaros a cantar. E o que era resíduo expurgado por você, posso transformá-lo em flores e sorrisos. Há o risco do penico se tornar belo e indispensável. E há riscos que vale a pena correr! 

*  *  *  *

NOTA: Quando escrevi este texto e fui procurar uma foto para ilustrá-lo, descobri que o google só retorna a busca para "pinico". Bem, fui ao dicionário com minha ortografia posta em xeque e confirmei que "pinico" não existe. A grafia certa é "penico". Então meu caro leitor, se passar por aqui, lembre-se que "pinico" não existe, ou melhor, só existe como uma forma forma popular de referir-se ao verbo "pinicar" (1. picar com o bico; 2. provocar comichão; 3. beliscar, cutucar).