Foi um vazamento no depósito localizado na garagem do prédio que me convidou a uma viagem ao passado. Guardadas em caixas de plástico, que protegera os inúmeros papéis da água que jorrava de um cano rachado, as memórias corporificadas em uma coleção de caixas de fósforo - do tempo em que se fumava -, programas do Jockey Club, um diário, um mapa de Chicago e região, jornais de competições esportivas universitárias, uma placa da porta da sala do meu avô no cartório, cartas, recortes, enfim coisas guardadas como num baú do tesouro.
As cartas despertaram maior curiosidade. Quando meus pais moraram nos EUA, em 1992, minha mãe escrevia-me regularmente a cada quinze dias. Eu, filho preguiçoso, só respondia algumas. Mas, guardei todas as cartas que ele me escreveu. Meus filhos releram todas as cartas e foram buscar fotos para ilustrar aquelas narrativas. Passamos a tarde toda revirando aquele baú e contando como era, como foi e como isto os afetou. Um exercício de tradição oral, uma pequena aventura de pesquisa histórica.
Sempre gostei de conversar e ouvir histórias da minha avó, das minhas tias avós e dos mais velhos. Mesmo criança, ficava horas a conversar com meu avô perguntando sobre a infância dele, sobre o passado, sobre os bisavós. A curiosidade do passado sempre me aguçou e gosto de poder compartilhar isto com as novas gerações.
Parece-me que estas novas gerações, em que tudo é automático e imediato, tudo é acessível via google ou celular, começam a perder o sentido e o valor da pesquisa, do esforço, da curiosidade. Sempre há algum app para resolver o problema!
Você pergunta a uma pessoa como se faz para chegar a um determinado lugar e ela responde que não sabe, foi seguindo o GPS. E o se o GPS falhar? E se o GPS estiver errado? Você ainda leva um mapa? Eu sou antiquado, recorro sempre aos mapas ainda que o GPS sirva para me auxiliar. Saberei o caminho mesmo sem GPS, pois o bom e velho mapa estará presente. E saberei explicar para qualquer um que me perguntar como se chega a determinado lugar.
O velho nem sempre é antiquado e inútil. Não estou aqui a apregoar a volta do uso da máquina de escrever, mas a valorização de determinadas ferramentas que são muito atuais.
Quando surgiu o email, muitos apregoaram o fim das cartas. As cartas físicas podem ter acabado, mas a escrita, a comunicação entre as pessoas não. Sempre se recorre ao bom e velho diálogo, quer por escrito, quer falado, quer via algum mecanismo de vídeo conferência.
As pessoas continuam a se reunir em bares e ao redor da mesa das refeições para conversar, ouvir e interagir. a boa e velha conversa de amigos! Mas aqui há um inimigo novo. Como li outro dia, a pior solidão é estar acompanhado de alguém que tem um iphone. Infelizmente, é comum ver pessoas - até casais namorados - em restaurante em completo silêncio, absortos pelas telas de seus iphones ou smartphones. Talvez estejam conversando pelo whatsapp, msn, facebook, skype ou o que seja, mas não se olham. Arrisque o velho e bom olhar, deixe seu celular desligado durante um almoço, mostre à pessoa que está com você que ela merece sua integral atenção. Ganha você e ganha seu amigo!