| Laguna Humantay - @rbueloni |
Cuzco, 22 de agosto
de 2025
O despertador tocou alguns minutos depois das quatro da
manhã. Era o último passeio que havíamos programado e talvez o mais exigente.
Estava um pouco apreensivo, a começar pelo horário de acordar, mas resolvi
juntar-me a minha filha e amiga na excursão até a Laguna Humantay.
O lobby do hotel estava escuro e havia apenas duas pessoas
na recepção. O pátio central em estilo colonial espanhol trazia um ar medieval
com a pouca luminosidade e a decoração que ressaltava a arte cusquenha. O
atendente perguntou se havíamos pedido o café da manhã antecipado, mas
esquecera de solicitar. É comum fornecerem um lanche para viagem, pois muitos
passeios saem bem cedo, com o dia ainda escuro.
Pouco antes das cinco, a van de transporte chegou e o
porteiro abriu a pesada porta de madeira. Brinquei com ele sobre ser o porteiro
do castelo. Ele sorriu revelando o bom humor apesar da hora. Explicou-me que
não fabricam mais portas de madeira maciça e com detalhes em metal. Hoje, tudo
é mais leve e simples, disse-me.
Juntamo-nos ao grupo de turistas no veículo quase cheio.
Logo em seguida, uma parada na Plaza de Armas, antigo centro do império Inca e
ponto de encontro para os inúmeros passeios que partem de Cuzco. Algumas
pessoas a mais entraram na van, que partiu lotada. Nosso guia, Fredy, deu
instruções sobre o trajeto e o que iríamos encontrar. Alertou que havia
oxigênio caso alguém necessitasse, afinal, a Laguna Humantay ficava a 4200
metros de altitude, ou seja, 800 metros a mais do que Cuzco. Pensei comigo que isso
seria desnecessário, pois já estava aclimatado à altitude. Fredy sugeriu que
dormíssemos por duas horas antes da parada para o café da manhã. A van seguiu
pela estrada sinuosa, deixando Cuzco para trás e percorrendo uma região de vale
cultivado. Logo peguei no sono.
A parada para o café da manhã foi em Mollepata, um pequeno
povoado e início de uma estrada de terra que nos levaria até a base da subida
para a Laguna Humantay. O nosso grupo era composto por mexicanos, espanhóis e
colombianos. Éramos os únicos brasileiros, o que deu um ar de comunidade latina
muito divertida. Seguimos por uma hora por uma estrada de terra até o ponto de
início de nossa subida, em Soraypampa, a 3800 metros de altitude. O minúsculo
distrito tem dois pequenos hotéis e alguns casebres. O movimento é dado
exclusivamente por turistas.
Equipados com bastão de apoio, demos início à caminhada. O
dia estava cinza, um vento frio soprava e ao fundo se via o pico Salcantay,
todo coberto de neve e cercado de nuvens esparsas. Nosso objetivo estava
encoberto pelas nuvens e havia um prenúncio
de chuva. O silêncio era quebrado apenas por nossos passos e pelo vento.
O esplendor dos Andes se descortinava diante de nós. Os picos cobertos de neve
e envoltos por nuvens, alguns fios d’ água oriundos do degelo, os vales e
passagens que indicavam caminhos trilhados.
No meio da cordilheira, a escalada era um desafio. A
primeira parte da trilha era pouco íngreme, mas o ritmo era lento. O terreno
pedregoso e de terra solta. Era preciso cuidado para não escorregar e
percebia-se a falta de ar. Tinha para mim que uma caminhada de pouco mais de um
quilômetro seria fácil, mesmo em se tratando de uma subida. O cansaço era
presente e a cada punhado de metros parava para respirar e buscar o fôlego. Não
estava ofegante ou sufocado, mas tinha-se uma clara impressão de que o ar não atendia
às necessidades corpóreas.
Comecei a contar os passos e numa das pausas, fui
surpreendido: “caballito?”, indagou uma senhora que seguia nosso grupo. Os
turistas eram acompanhados por locais que subiam com cavalos prontos para
carregar qualquer um que estivesse disposto a pagar. Recusei e segui.
Novamente, vinha a tentação: caballito, caballito. Agradeci, mas neguei.
Estava determinado a chegar ao final da caminhada sem desistir. Não estava
fácil, mas insisti. Minha filha ficou preocupada achando que eu iria enfartar,
mas segui o ritmo.
Perto do final, uma senhora que iniciava a descida me
incentivou: si se puede! A frase era conhecida por mim, slogan cantado
em jogos de futebol das seleções andinas. Sorri e respondi com a mesma frase.
Estava próximo o fim. A parte final era muito mais íngreme, mas foi superada
lentamente, com passos curtos e constantes. É preciso respeitar a montanha.
Antes de chegar na Laguna, avistei uma pequena tenda de madeira coberta de lona,
onde eram vendidos espetinhos de frango, assemelhando-se aos vendedores de sanduíche
de pernil na porta do estádio do Morumbi.
Mais alguns passos e cheguei ao destino. Sentei-me numa
pedra e contemplei toda aquela beleza em diversos tons de cinza. A laguna tinha
a água esverdeada e formara-se com o degelo da neve do pico Humantay. As nuvens
estavam baixas e cobriam o cume. O vento frio trazia junto uma garoa gelada,
mas a beleza da natureza crua era encantadora. Fiquei ali por alguns minutos,
recuperando o ar e apenas contemplando as montanhas, enquanto os turistas se
preocupavam em tirar fotos, fazer poses e registrar os melhores ângulos para
postar em redes sociais.
Subimos na van esfomeados e prontos para o almoço. Éramos
dezenove pessoas e Fredy nos disse que foi a primeira vez nesta temporada que
ninguém havia precisado de apoio de um cavalo para subir ou descer. O grupo
fora guerreiro. A van partiu e poucos minutos depois comecei a suar frio, senti
tontura e a vista ficou embaçada. Chamei o guia e alertei-o que iria desmaiar.
Rapidamente fui socorrido e posto no oxigênio. Respirei fundo o ar puro por
dois minutos e logo tudo voltou ao normal. Não desmaiei, mas descobri que o
oxigênio que fora trazido na van era para mim.
A viagem de volta pareceu mais longa, pois nosso motorista
dirigia em ritmo lento. Foi uma ótima oportunidade para conversar com meus
colegas espanhóis e que já tinham feito outras quatro trilhas no Peru em duas
semanas. Eram praticamente trekers profissionais. Aproveitei para
apreciar a estrada e a paisagem de pequenas propriedades cultivadas no vale que
passava por Limatambo e Anta, antes de chegar em Cuzco.
O sol já havia se posto quando chegamos na Plaza Regocijo.
Cansados, mas acometidos de uma alegria perene fruto da bela jornada no meio da
Cordilheira dos Andes.
Nenhum comentário:
Postar um comentário