Depois de 16 anos, este é o milésimo post deste blog. Mil postagens. Sem dúvida, nos últimos anos,
o ritmo diminuiu, o meio “blog” virou vintage, deixou de ser uma forma mais
popular, sendo ultrapassado por podcasts, vídeos e afins. Mas o texto permanece
e é atemporal. A poesia de Fernando Pessoa reina como o assunto mais pesquisado
e lido neste blog.
Tinha várias ideias para celebrar este marco do blog, mas a
realidade sempre nos surpreende e oferece a matéria prima de que necessitamos
para refletir, pensar e trabalhar. Trabalhar a realidade, moldá-la para tentar
entender este mundo contemporâneo, ou ao menos, fazer um esforço por
compreendê-lo.
Eu, assim como todos os brasileiros, estou em quarentena. Um
isolamento domiciliar que é compartilhado com milhões de pessoas ao redor do
mundo em decorrência da pandemia causada pelo coronavírus e a Covid-19, doença
causada pelo vírus.
O ser humano é um animal essencialmente social, pontificou
Aristóteles. E agora, vemo-nos obrigados à reclusão, a uma clausura não
voluntária, mas imposta. A clausura é uma escolha de vida para religiosos e
religiosas contemplativos católicos, que se afastam do mundo e vivem uma vida
de oração e trabalho. Carmelitas e beneditinos são ordens religiosas que seguem
este carisma. A vida de oração
contemplativa, quase sem falar, sem convívio com o mundo exterior do convento
ou do mosteiro.
Hoje, somos obrigados a abraçar um estilo de vida de
isolamento, temporário claro, mas um estilo de vida que não condiz com o
cosmopolitismo das cidades e com a interação social tão cara ao povo
brasileiro. Iniciamos neste período de quarentena a travessia de um deserto.
Não sabemos por quanto tempo ficaremos reclusos, não sabemos o que nos espera
ao final da travessia, não sabemos que intempéries serão enfrentadas. A
incerteza pode gerar medo. É natural, mas precisamos buscar a serenidade e a
esperança para realizar a travessia deste deserto com sucesso.
Em 1374, foi ordenada a quarentena de todos os cidadãos de
Veneza para evitar o contágio com o “ar envenenado” pela Peste Negra, que
dizimou metade da população europeia. Em 1569, a grande peste que atingiu
Lisboa levou a uma fuga em massa da cidade. Narrativas daquela época relatam
que havia um ar triste na cidade, abandonada e largada ao destino.
A realidade hoje é outra. Podemos fazer a quarentena com
certo conforto, com acesso a informação e aos meios de comunicação, não falta
comida e nem água e a ciência evoluiu muito desde então.
Vejo muitos reclamarem. Vejo muitos apontarem o dedo e
incitarem o conflito. Penso que a hora é de reflexão pessoal, penso que nos é
dado uma oportunidade de vivermos de forma contemplativa por algumas semanas,
reclusos como se num retiro espiritual – chame de jornada se preferir. Não por
acaso, tudo isto acontece durante o período da quaresma para os católicos. Um
período de penitência, de exercício fraterno de caridade, de conversão de vida,
de mudança. Um período que nos leva a olhar para a frente, com fé e esperança,
pois uma nova fase se inicia com a Páscoa.
Não quero aqui tentar justificar esta pandemia, não é esta
minha pretensão, mas quero provocar uma reflexão – já que temos tempo sobrando
para fazê-la – sobre a transcendência do ser humano, da caridade, da
solidariedade, da generosidade, da empatia. Penso que este momento é muito
oportuno para exercitarmos estas virtudes, estas qualidades humanas (se assim
preferirem).
Antes de reclamar, agradeça pelo que tem e pelo que lhe é
dado. Antes de ter medo, olhe para frente com esperança e pense como mudar sua
forma de agir após a sua saída da clausura. A travessia do deserto deve ser
feita um dia por vez, serenamente, com fortaleza e resiliência. Aproveite o
tempo que é dado, pois o tempo é um bem muito escasso e caro na
contemporaneidade.
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