segunda-feira, 23 de março de 2020

Pandemia - uma breve reflexão



Depois de 16 anos, este é o milésimo post deste blog.  Mil postagens. Sem dúvida, nos últimos anos, o ritmo diminuiu, o meio “blog” virou vintage, deixou de ser uma forma mais popular, sendo ultrapassado por podcasts, vídeos e afins. Mas o texto permanece e é atemporal. A poesia de Fernando Pessoa reina como o assunto mais pesquisado e lido neste blog.

Tinha várias ideias para celebrar este marco do blog, mas a realidade sempre nos surpreende e oferece a matéria prima de que necessitamos para refletir, pensar e trabalhar. Trabalhar a realidade, moldá-la para tentar entender este mundo contemporâneo, ou ao menos, fazer um esforço por compreendê-lo.

Eu, assim como todos os brasileiros, estou em quarentena. Um isolamento domiciliar que é compartilhado com milhões de pessoas ao redor do mundo em decorrência da pandemia causada pelo coronavírus e a Covid-19, doença causada pelo vírus.

O ser humano é um animal essencialmente social, pontificou Aristóteles. E agora, vemo-nos obrigados à reclusão, a uma clausura não voluntária, mas imposta. A clausura é uma escolha de vida para religiosos e religiosas contemplativos católicos, que se afastam do mundo e vivem uma vida de oração e trabalho. Carmelitas e beneditinos são ordens religiosas que seguem este carisma.  A vida de oração contemplativa, quase sem falar, sem convívio com o mundo exterior do convento ou do mosteiro.

Hoje, somos obrigados a abraçar um estilo de vida de isolamento, temporário claro, mas um estilo de vida que não condiz com o cosmopolitismo das cidades e com a interação social tão cara ao povo brasileiro. Iniciamos neste período de quarentena a travessia de um deserto. Não sabemos por quanto tempo ficaremos reclusos, não sabemos o que nos espera ao final da travessia, não sabemos que intempéries serão enfrentadas. A incerteza pode gerar medo. É natural, mas precisamos buscar a serenidade e a esperança para realizar a travessia deste deserto com sucesso.

Em 1374, foi ordenada a quarentena de todos os cidadãos de Veneza para evitar o contágio com o “ar envenenado” pela Peste Negra, que dizimou metade da população europeia. Em 1569, a grande peste que atingiu Lisboa levou a uma fuga em massa da cidade. Narrativas daquela época relatam que havia um ar triste na cidade, abandonada e largada ao destino.

A realidade hoje é outra. Podemos fazer a quarentena com certo conforto, com acesso a informação e aos meios de comunicação, não falta comida e nem água e a ciência evoluiu muito desde então.

Vejo muitos reclamarem. Vejo muitos apontarem o dedo e incitarem o conflito. Penso que a hora é de reflexão pessoal, penso que nos é dado uma oportunidade de vivermos de forma contemplativa por algumas semanas, reclusos como se num retiro espiritual – chame de jornada se preferir. Não por acaso, tudo isto acontece durante o período da quaresma para os católicos. Um período de penitência, de exercício fraterno de caridade, de conversão de vida, de mudança. Um período que nos leva a olhar para a frente, com fé e esperança, pois uma nova fase se inicia com a Páscoa.

Não quero aqui tentar justificar esta pandemia, não é esta minha pretensão, mas quero provocar uma reflexão – já que temos tempo sobrando para fazê-la – sobre a transcendência do ser humano, da caridade, da solidariedade, da generosidade, da empatia. Penso que este momento é muito oportuno para exercitarmos estas virtudes, estas qualidades humanas (se assim preferirem).


Antes de reclamar, agradeça pelo que tem e pelo que lhe é dado. Antes de ter medo, olhe para frente com esperança e pense como mudar sua forma de agir após a sua saída da clausura. A travessia do deserto deve ser feita um dia por vez, serenamente, com fortaleza e resiliência. Aproveite o tempo que é dado, pois o tempo é um bem muito escasso e caro na contemporaneidade.

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