PLÁCIDA
O calor abafado do quarto 961 despertou-o no meio da
madrugada. Não havia ligado o ar condicionado, pois ela sentiria frio. Uma
parca e esfumaçada claridade adentrava pela cortina mal fechada e esquecida
pela intensidade dos momentos que se desenrolaram antes de adormecerem. Levantou-se com cautela e gestos pausados
para não fazer barulho. Olhou-a com ternura e notou a beleza de seus traços e curvas. A
luz era escassa, mas permitia vislumbrar o belo corpo e o rosto da companheira.
Dormia plácida, alva, com um ressonar causado pela sinusite.
Havia-o alertado de que o barulho o incomodaria e o impediria de dormir. Talvez
roncasse. Ele deu de ombros. Serena, as pernas nuas não estavam mais recobertas
por um lençol revolto que se amarfanhava na ponta da cama. As mãos por debaixo
do travesseiro lembravam a de uma criança repousando sobre uma nuvem. Tudo
parecia surreal e a iluminação tímida, a leve bruma, dava um ar fantasmagórico,
como um sonho bom. O que sonharia ela? Ele acordado a contemplava. Admirava o
belo rosto, os lábios finos, os cabelos desarrumados caídos sobre a orelha e a bochecha,
as pálpebras cerradas, como janelas que escondiam segredos.
Dormia tranquila. Ele sentou-se na cadeira ao lado da cama e
pôs-se a admirá-la, como se aquele momento não fosse se repetir, como se tudo
aquilo compusesse uma fotografia na memória, impressa e indelével para jamais
ser esquecida, como se tudo fosse etéreo e irreal. Sorriu. Ela estava ali com
ele depois de tantos anos. A alegria era
indizível, indescritível. E então, no silêncio da madrugada, na invisível
contemplação, sentiu o desejo novamente aflorar e retornou para a cama ao lado
dela.