Poucos minutos depois de chegar em Sobradinho, lembrei-me de Graciliano Ramos. O táxi passou por uma escola pública, fez o retorno e virou numa avenida que tinha a aparência de via principal. Algumas quadras adiante e cheguei ao fórum. Prédio de dois andares, com boa aparência, nada novo, mas com boa conservação. Lugares novos sempre trazem consigo uma curiosidade, uma expectativa. Entrei, fui dispensado de passar pela revista e pelo detector de metais, e caminhei pelo corredor central do fórum. E Graciliano Ramos me acompanhava.
Nas cadeiras, mães com crianças de colo, idosas, alguns poucos casais. Todos tinham algo em comum: buscavam algum direito ou batiam às portas da justiça para fazer valer sua cidadania. Uma vara exclusiva para tratar de violência doméstica. Não consigo presenciar tais cenas e permanecer indiferente.
Desde que comecei a escrever, percebi a importância de observar, de ficar atento ao drama humano que nos cerca, que poderia passar despercebido, afinal estava ali a trabalho e tantas e tantas vezes já fui em fóruns em diversos recantos do país. Sobradinho tinha uma aura triste, uma cidade refém, um pequeno distrito de periferia como tantas outras. Ser cidade satélite de Brasília parece ter relegado Sobradinho à sina de cidade dormitório, sem perspectivas, com pouca atividade, com poucos recursos. A ideia de cidades satélite parece ser uma forma de esconder a pobreza, algo que sempre vi como contraditório na concepção da Brasília de Oscar Niemeyer, um comunista que não conseguiu manifestar seu ideário nas suas obras e projetos. Por que esconder a pobreza?
Sentei-me numa das cadeiras e fiquei a observar rostos, ouvir conversas entrecortadas, xingamentos a companheiros que fugiram e deixaram de pagar pensão, crianças sem amparo, idosos esquecidos pelo Estado que lhes deveria garantir tratamento digno de saúde. Lembrei-me de Graciliano Ramos.
Graciliano Ramos foi um escritor brasileiro engajado, comprometido com a causa social. Ainda que não compartilhe de sua visão política, admiro sua percepção do drama humano tão presente em suas narrativas, tais como Vidas Secas e São Bernardo. Li esta última obra pela primeira vez no ensino médio - e para variar -, discordei da maioria dos meus colegas que odiaram o livro. Gostei muito do estilo de Graciliano e da estória. O drama humano retratado sem cortes, com tons fortes e pinceladas precisas.
Ninguém vai a Sobradinho para fazer turismo; ninguém vai a Sobradinho a passeio. Fiquei com a impressão de que seus moradores sonham em sair de Sobradinho um dia, para nunca mais voltar.