quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Monteiro Lobato e preconceito



O Conselho Nacional de Educação recomendou ao MEC que proíba o livro Caçadas de Pedrinho, de autoria de Monteiro Lobato. A trama começou com uma denúncia formulada por um aluno de mestrado da Universidade de Brasília à Secretaria de Promoção de Igualdade Racial, ligada à Presidência. O aluno entendeu que a obra era "racista". Esta Secretaria - que mais parece um dos ministérios engendrados pelo Grande Irmão de 1984 - submeteu a acusação ao crivo dos conselheiros do CNE, e estes sugeriram que o livro fosse retirado do acervo do Programa Nacional Biblioteca na Escola.

Fazer a denúncia é uma prerrogativa de interpretação de qualquer cidadão. Até aí, admito o equívoco. Mais grave, porém, está no fato do CNE ter considerado séria a denúncia e sugerido o banimento de Monteiro Lobato de nossas escolas. Fiquei indignado quando tomei conhecimento da notícia e resolvi fazer minha própria pesquisa. 

Li a maioria das obras de Monteiro Lobato na infância. Não sou racista, nem preconceituoso e jamais  imaginei que tais obras pudessem ser consideradas como ofensivas. Confesso que estas leituras só me trazem boas memórias, de um lugar cheio de fantasia e magia. Fui atrás do livro, por sinal, o mesmo exemplar que li quando criança, capa dura verde escura, com letras em baixo relevo e prateadas, uma primorosa edição da Brasiliense, de 1950, com a ortografia estranha e recheado com algumas ilustrações.

Reli o livro no feriado e redescobri grandes passagens. A leitura foi atenta, à caça de preconceito e termos "racistas". Fiquei frustrado. Fiz uma segunda leitura atrás do trecho específico que foi identificado na denúncia, e que transcrevo abaixo para que avaliem por conta própria:

"Sim, era o unico jeito -  e tia Nastacia, esquecida dos seus numerosos reumatismos, trepou, que nem uma macaca de carvão, pelo mastro de S. Pedro acima, com tal agilidade que parecia nunca ter feito outra coisa na vida senão trepar em mastros."(Caçadas de Pedrinho. São Paulo : Brasiliense, 1950, p. 55 - obs.: transcrito na ortografia original)

Há licença poética no texto. Não vejo racismo. Em outro trecho, Pedrinho exclama: "Avança, macacada!"(p. 12). Mais adiante, uma capivara reunida com o demais bichos da floresta reclama: "- Imbecil! resmungou a capivara, furiosa de tamanha asneira. Não é atôa que os macacos se parecem tanto com os homens. Só dizem bobagens." (p. 24). 

Estes exemplos revelam que o termo "macaco" não é utilizado no livro como termo pejorativo ou racista. 
Não tenho dúvidas, porém, de que o livro não passa pelo crivo do patrulhamento ideológico. Poderia ser denunciado por ambientalistas, afinal, Pedrinho e a turma do Sítio do Picapau Amarelo matam uma onça e depois domesticam um rinoceronte. O livro seria ambientalmente incorrento.

A questão que envolve a criação do Departamento de Caça ao Rinoceronte e a instalação da linha telefônica mais curta do mundo são uma crítica direta ao funcionalismo público, ao gasto público inútil e desnecessário, ao desperdício de dinheiro público. Não é à toa que o livro foi rotulado de comunista quando foi lançado. Era considerado subversivo por incitar a desobediência civil.

Claro que faço esta leitura com um olhar adulto e crítico, e esta releitura me certificou ainda mais da atualidade e importância de Monteiro Lobato. A denúncia é ridícula, preconceituosa, torta, mas um alerta para uma política estatal que busca criar divisões de classes e categorias de brasileiros, ao invés de propagar a igualdade de todos os brasileiros.

Por fim, perguntei à minha filha de 9 anos o que tinha achado do livro, pois o lera no primeiro semestre. Ela havia gostado e me contou a estória. Não houve um traço de preconceito ou aparente racismo nas palavras dela. Leu com os olhos de uma criança e ficou fascinada e divertiu-se como pretendia o escritor.    Quem vê racismo nas obras de Monteiro Lobato, não faz jus ao título de mestre em nenhuma universidade séria deste país. E um Conselho de Educação que rejeita o patrimônio literário nacional, precisa rever seus conceitos - ou as pessoas que são indicadas para o CNE. 

2 comentários:

Luciana Betenson disse...

Concordo em número, gênero e grau. E além do texto não ter conotação racista, não há nada na história do autor Monteiro Lobato que leve a tais conclusões. Simplesmente ridículo. Abs,

maria rachel oliveira disse...

Eu também achei essa história o fim da picada. E não esqueci do blog não... o texto tá madurando ainda!

Beijo!