quarta-feira, 6 de agosto de 2025

Conto: Um dedo de prosa

 

foto: Renato Bueloni Ferreira


Um dedo de prosa


Têm dias que eu apenas queria alguém para conversar, tomar um café no final do dia e perguntar: qual livro você está lendo?

E então deixar-me-ia inebriar pela doçura da tua voz narrando alguma estória interessante, ou mesmo que não seja interessante, iria me pendurar com atenção em cada detalhe narrativo, em cada pausa e suspiro da tua voz, reparando no movimento dos teus lábios delicados e finos, atraído pelo olhar fixo no meu. Não te interromperia. Apenas, deixaria que me contasse o que quisesse do livro, que falasse e falasse e falasse.

Nunca te contei, mas quando estou estressado ou sentindo aquele vazio que bate por vezes em dias corridos, ouço algum áudio teu que deixo guardado no whatsapp, somente para ouvir tua voz. Já tentei imitá-la e no silêncio, consigo te imaginar falando, sorrindo. Cada trejeito do rosto completa a fala suave que me abraça com todo afeto. Curioso pensar que o jeito de falar pode abraçar, pode acalmar, pode adentrar no fundo do coração e desenhar um sorriso, terno, sincero, delicado. Parece que estes abraços alternativos têm me cativado mais do que os abraços reais, vazios, protocolares.

Outro dia, entregue a uma sessão de massagem para tentar destravar as dores na lombar e no ombro, fui surpreendido pelo firme segurar da minha mão. Dedos longos e finos, entrelaçados com os meus, e de repente, senti um arrepio percorrer minha coluna. Não queria soltar da mão da massagista que me atendia. Ela percebeu que ao segurar minha mão, havia um grito silencioso contido dentro de mim. Queria este pequeno gesto de afeto, mas não sabia que dele precisava. Ela apoiou a outra mão espalmada sobre minha coluna, como se fizesse uma ligação direta para dar a partida num carro ou provocar um curto circuito. Senti um arrepio mais forte, talvez algo produzido apenas na minha imaginação, mas aquela aparência de energia me deixou pensativo, instigado. Aquela jovem que me atendeu no spa estava inteiramente atenta às minhas necessidades naquele momento e ela, ao segurar minha mão, abraçou-me de forma figurativa. Queria congelar o tempo, parar o relógio, prorrogar aquela tarde. Queria fazer a sensação de preenchimento do vazio perdurar para sempre.

Tua voz tem este mesmo poder mágico. Acolhe. Abraça. Energiza. Talvez hoje esteja enquadrado como perfeito aquariano, mergulhado em devaneios e ideias sem sentido. Para mim, porém, há muito sentido. Quando descubro estas coisas banais, que estão ali pipocando no cotidiano, meu dia ganha novo sabor e cor. É como colocar novos óculos para ver a realidade e tudo se transforma, ganha relevo, profundidade, altura. Acho que você nunca desconfiaria que sua voz seria um bálsamo tão penetrante e com efeitos medicinais para minha alma. Pois é, tens um poder oculto que descobri, mas que guardo a sete chaves. Estou sendo muito egoísta em privar a humanidade desta maravilha que cura? Ou seria este remédio aplicável somente a aquarianos bobos e deslumbrados que se conectam na exata frequência da tua voz?

Não sei a resposta. Sei apenas que gosto de te ouvir, gosto de estar com você, gosto de aprender contigo. Adoro jogar fora um dedo de prosa contigo. O mundo é um lugar muito melhor com você. Que sorte a minha!

 


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