quinta-feira, 30 de maio de 2013

A Jogadora de Xadrez


Fazia um bom tempo que não terminava um livro em pouco mais de uma semana, assim também há um bom tempo que não faço uma resenha para o blog de minhas leituras. Minhas últimas leituras recaíram sobre livros de não ficção (principalmente história do Brasil) e contos esparsos em revistas literárias e algumas coletâneas. Esta leitura variada não permite a unicidade da crítica. Mas o romance de estreia da alemã Bertina Henrichs, escrito em francês e com tradução de Bernardo Ajzenberg, obriga-me a trazer minhas impressões da obra.

A edição da Editora Record é de 2010 e o livro ganhou uma adaptação para o cinema estrelada por Sandrinne Bonnaire e Kevin Kline, com o título em português de O Xeque da Rainha.

O romance conta a estória de uma camareira de um hotel numa ilha grega. Eleni seguia sua rotina diária de trabalho e repara num casal de hóspedes franceses que jogavam xadrez no quarto. Interessa-se pelo jogo e mergulha no mundo fascinante do jogo dos reis, no universo das 64 casas que fascina grandes mentes ao redor do mundo.

A prosa é leve, ágil e a vida da ilha transcorre em traços mal acabados. Tem-se a impressão de Henrichs não gasta tempo em demasia com descrições inúteis e detalhes pouco úteis na composição das personagens e na construção do enredo. Assemelha-se a narrativa à um desenho cujos traços à lápis estão presentes, mas sem cor, sem acabamento, sem os retoques finais. Este estilo dá margem a certas dúvidas e incertezas, mas permite ao leitor preencher aparentes lacunas que surgem na estória. 

O xadrez é o pano de fundo da estória, o fio condutor, mas não impede o leitor pouco familiarizado com o jogo de deixar de compreender, nem tampouco há descrições detalhadas do jogo que entediariam  o leitor. Há algumas imprecisões (não sei se no original ou na tradução) que não passam despercebidas a um enxadrista, mas isto não tiro o brilho do livro e da beleza da estória.

São 160 páginas onde o leitor é conduzido pela vida pacata da ilha. Eleni se apaixona pelo jogo e esbarra na resistência - e nas fofocas - dos moradores da ilha em aceitar algo diferente. O súbito interesse de Eleni pelo xadrez é visto com desconfiança e estranheza, algo que abala seu casamento, levanta dúvidas sobre sua conduta e hábitos. O final, bem o final cabe ao leitor descobrir.

Não se trata de um clássico, mas sim de um livro delicioso, cativante e cuja estória encanta e convida o leitor a refletir. Há tantas situações cotidianas que são relevadas ou vistas com descaso, ou às quais atribuímos pouca importância e que revelam grandes avanços pessoais resultados de luta interior constante. A leveza da escrita e da narrativa transformam a leitura do livro em momentos de prazer, qual um período de férias na ilha grega de Naxos, onde se passa a narrativa. 


quarta-feira, 22 de maio de 2013

Epígrafe - XIX





Pela primeira vez na vida, sentiu necessidade de um horizonte mais amplo. A ilha pareceu-lhe, de repente, tão terrivelmente pequena, que se sentiu quase oprimida. Nunca antes havia experimentado fisicamente os limites de Naxos, um pequeno pedaço de terra cercado pelo mar. ‘Não sei nem nadar’, pensou ela, como se isso pudesse alterar alguma coisa.” 



(Bertina Henrichs, A jogadora de xadrez. Trad. Bernardo Ajzenberg. Rio de Janeiro : Record, 2010, p. 47 )

quinta-feira, 9 de maio de 2013

Reflexões soltas



Às vezes a inspiração me foge, as palavras desobedecem, comportam-se mal, não param quietas, algo semelhante a remontar um aparelho eletrônico depois de desmontado, quando as peças não se encaixam e sempre parece sobrar algum parafuso. Talvez fosse a ausência do silêncio; talvez a falta de recolhimento; talvez a falta de leitura; talvez o excesso de trabalho; talvez a sua falta.

Um texto e mais outro que não me agradaram, ficaram disformes, sem fluidez, pedra bruta não lapidada e que ao tentar lapidar, quebrava-se. As ideias confusas e a irritação aumentava. Inspiração parecia ter-me abandonado para sempre. Frustrei-me. Deixei mais um texto de lado, pela metade e segui o conselho de Ignácio Loyola Brandão: se a inspiração lhe escapa, procura-a na rua. Lancei-me no caminho a observar. Sem sucesso. Sem aviso, bastou-me avistar teu rosto que a inspiração pareceu jorrar água da mina mais pura.

Josué Montello tinha por hábito iniciar sua jornada como escritor com o dia ainda escuro. Sempre estranhei tal hábito, pois demorava um pouco a despertar e a organizar as ideias. Com os anos de vida percorridos, as horas frescas da manhã são as mais prolíferas. A mente limpa torna as ideias mais cristalinas e precisas, os resquícios dos sonhos da noite anterior dão pistas e sugestões para o dia que nasce, alimentam a inspiração, sugerem uma conduta ou aventura a algum personagem. Basta vencer a preguiça que as palavras se comportam igual às crianças com seus uniformes ainda limpos no início de uma jornada escolar.