The bridge at Herndon, Virginia - @rbueloni
ESQUECIDA
Eu me chateio. Ainda. Talvez não
devesse mais, após 32 anos, mas eu havia pedido para tirar a calça de cima da
cama antes dela deitar e apagar a luz do quarto. Era um pedido singelo,
objetivo, direto. Bastava pendurar a calça no cabide ou deixá-la sobre a
cadeira no canto do quarto. Mas ela ignorou meu pedido. Passou em branco.
Aquele momento onde o ignorar se confunde com o esquecer e transforma-te em um
ser invisível. Muita coisa passava em branco e cada vez com maior frequência.
Pedia para comprar pasta de dente no
supermercado, ela esquecia. Pedia para pegar dinheiro no caixa eletrônico, ela
esquecia. Perguntava se podíamos jantar com amigos, ela esquecia que iria
trabalhar. E assim os dias se seguiram, um após o outro. Não me irritava, mas
apenas me chateava e notava o esquecimento que recaía sobre mim. Estava sendo
esquecido, abandonado, pedacinho por pedacinho, qual um navio de partida que se
afasta do porto e a praia vai diminuindo de tamanho até que o horizonte se
confunde com a imensidão do mar.
Um dia, levei-a ao médico.
Desconfiava que aquele esquecimento pudesse ser algo a mais. Não deixei que
fosse sozinha e marquei a consulta. Alguns exames e dias depois, veio o
diagnóstico de Alzheimer em fase inicial. Ela estava se esquecendo da vida.