Veio a pandemia e decretaram uma longa quarentena. Era para
ser por quinze dias, depois mais quinze, viraram 60, adicionaram mais um mês e
o pico parecia inalcançável. Até hoje acho que ainda não chegamos lá, mas
resolveram que já era hora de permitir um afrouxamento, um lento despertar da
cidade adormecida.
O período de hibernação dos ursos deve ser assim, salta-se do carnaval para as férias de julho, sem Páscoa e sem festa junina, e adicione alguns feriados que foram devorados pelo vírus por decisões políticas. Transitar por São Paulo, após escurecer, é como caminhar por uma cidade semideserta, quase fantasma, com ar soturno, tristonho. O trânsito evaporou, não há carros, não há pessoas, não há ruídos. O silêncio impera e traz à memória uma cidade de interior, pacata, tranquila, silenciosa.
Aos poucos, há uma reabertura. Pessoas voltam a circular pelas ruas ao longo do dia, mas há algo de diferente. Apagaram os sorrisos. Olhe para a foto de um rosto e cubra a parte abaixo do nariz e o queixo. É praticamente impossível dizer se a pessoa está sorrindo, se a pessoa está triste, se a pessoa está nervosa. Perde-se a expressão quando escondem a nossa boca por detrás de uma máscara.
Não estou aqui a me revoltar contra as máscaras, apenas constato que os sorrisos deixaram de habitar a cidade. Continuam escondidos em quarentena dentro das casas e dos ambientes seguros. A partir de agora, não se pode mais cumprimentar o porteiro ou uma pessoa na rua com um singelo sorriso e um aceno de cabeça. O aceno de cabeça ficou capenga, órfão de um elemento fundamental que é a expressão labial. Vamos ter que aprender a ler olhares, a atentar para as pequenas oscilações do canto dos olhos, das sobrancelhas, do nariz, da testa franzida. A percepção será outra, pois a boca se esconde.
Primeiro, o coronavírus roubou-nos o tempo e a liberdade. Agora, o coronavírus apaga os sorrisos de nossos rostos.