terça-feira, 24 de setembro de 2019

Conto: Sonhei contigo



SONHEI CONTIGO


Sonhei com você nesta noite. Assim começava o email dele, sem saudação inicial, sem um “oi” ou “bom dia”,  qual uma mensagem de texto enviada pelo celular onde sabe-se exatamente quem é o destinatário e nomes são omitidos. Ela leu a frase e notou que a mensagem sucinta seria um teste para medir a rapidez na resposta dela, ele contando os minutos e atualizando o email para ver se ela responderia logo com a indagação típica instigada pela curiosidade: “o que você sonhou? Conte-me!” Ele dominava o discurso de um jeito sutil e discreto, deixando que ela só percebesse que agia exatamente como ele queria após já ter praticado o ato. Não era manipulador, mas um profundo observador do agir feminino. A resposta era intuitiva, ou melhor, a pergunta era quase automática, ele não poderia deixá-la em suspenso, deixando correr solta a imaginação que já rascunhara um roteiro com os dois abraçados, aos beijos, talvez enrolados na cama cobertos apenas por um lençol branco, numa cama grande com vários travesseiros, a luz da manhã penetrando nas frestas da persiana delatando que o sol já brilhava num domingo – ou de algum dia de semana em que haviam perdido o horário e preferido se entregar um ao outro sem dar bola para o mundo ao redor.

Desta vez, porém, ele a surpreendia. Dava um spoiler e contava tudo. Poucas linhas, mas suficientes para narrar o que lhe havia mais cativado no sonho. Ela continuou lendo e ele então passou a descrever um longo abraço, onde as palavras estavam ausentes, mas os corações batiam ritmados, qual um dueto regido por um maestro invisível, seus braços fechavam o arco onde ela permanecia envolta, cuidada,  de olhos fechados, respiração serena, a pele arrepiada e uma paz interior a tomar-lhe todo o ser. Em quatro linhas apenas, ele a deixara com um largo sorriso desenhado, as bochechas levemente ruborizadas e uma pequena lágrima a escorrer dos olhos marejados. A vida e seus pequenos momentos de felicidade.