quinta-feira, 6 de junho de 2019

Devaneios outonais

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No outono, as tardes são curtas e a noite cai mais cedo. O dia foi mais frio. O telefone tocou apenas uma vez. A narrativa que ouvi deixou-me perplexo, incrédulo de como a maldade pode invadir até a mais tenra infância. A tarde se desenrola preguiçosa e o tempo parece pesado, congelado, como se tudo se passasse em câmera lenta. O silêncio reina ao meu redor. Não há mais ninguém no escritório. Desliguei a música. Quero o silêncio para ouvir as palavras que brincam em minha mente, dando rodopios, saltos. Algumas fugidias, outras comportadas, prontas para saltar para o papel. Leio um poema do José Luis Peixoto e sou fulminado por seus versos.

ninguém pode saber que este poema é teu.
ninguém pode saber. ninguém pode saber
que este poema. ninguém. este poema é teu.
sou uma coisa da qual se tem vergonha.”

(José Luis Peixoto, A criança em ruínas. Porto Alegre : Dublinense, 2017, p. 70)


O poema com dedicatória anônima, o teu nome sussurrado para uma flor, o delírio urbano do poeta na cidade concreta. Notar o invisível, dar forma diversa àquilo que todos imaginam ser, lançar um olhar torto, louco, alucinado sobre a suposta feiura da cidade grande. Tentaram ordená-la, mas perderam o controle. Vejo beleza onde veem concreto, vejo vida onde vislumbram morte, vejo luz onde falta cor, vejo ordem e simetria onde imaginam o caos.

Até no outono, onde as noites são mais longas, as tardes curtas, a luz se esvai cedo, permito que o pensamento me leve a voar para longe, bem longe, no voo solitário e silencioso, talvez para um poema, talvez para um refúgio, talvez para um recanto onde a vida é plena. A melancolia que invade a alma não me impede de vibrar no silêncio, mas convida-me a saborear um outro lado da vida, discreto e sem alarde.

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