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No outono, as tardes são curtas e a noite cai mais cedo. O
dia foi mais frio. O telefone tocou apenas uma vez. A narrativa que ouvi
deixou-me perplexo, incrédulo de como a maldade pode invadir até a mais tenra
infância. A tarde se desenrola preguiçosa e o tempo parece pesado, congelado,
como se tudo se passasse em câmera lenta. O silêncio reina ao meu redor. Não há
mais ninguém no escritório. Desliguei a música. Quero o silêncio para ouvir as
palavras que brincam em minha mente, dando rodopios, saltos. Algumas fugidias,
outras comportadas, prontas para saltar para o papel. Leio um poema do José
Luis Peixoto e sou fulminado por seus versos.
“ninguém
pode saber que este poema é teu.
ninguém
pode saber. ninguém pode saber
que este
poema. ninguém. este poema é teu.
sou uma
coisa da qual se tem vergonha.”
(José Luis
Peixoto, A criança em ruínas. Porto Alegre : Dublinense, 2017, p. 70)
O poema com
dedicatória anônima, o teu nome sussurrado para uma flor, o delírio urbano do
poeta na cidade concreta. Notar o invisível, dar forma diversa àquilo que todos
imaginam ser, lançar um olhar torto, louco, alucinado sobre a suposta feiura da
cidade grande. Tentaram ordená-la, mas perderam o controle. Vejo beleza onde veem
concreto, vejo vida onde vislumbram morte, vejo luz onde falta cor, vejo ordem
e simetria onde imaginam o caos.
Até no
outono, onde as noites são mais longas, as tardes curtas, a luz se esvai cedo,
permito que o pensamento me leve a voar para longe, bem longe, no voo solitário
e silencioso, talvez para um poema, talvez para um refúgio, talvez para um
recanto onde a vida é plena. A melancolia que invade a alma não me impede de
vibrar no silêncio, mas convida-me a saborear um outro lado da vida, discreto e
sem alarde.