Ainda me causas sorrisos espontâneos em momentos de final de
dia, de silêncio terno e confortante. A raiva deve ter partido, não tendo encontrado morada duradoura no meu ser, apesar de um esforço enorme em transformá-la em esquecimento
definitivo. Deve ter sido afugentada pelas palavras guardadas e ditas em voz
alta quando estou só. Tua voz, tua entonação, teu carinho, teus suspiros. Não
sou bom imitador, mas consigo reproduzir teu jeito, teu sorriso de canto de
boca em meio à fumaça, tuas mudanças de assunto repentinas que pareciam testar
se eu prestava atenção em cada palavra. Eu sempre prestei atenção em ti! Quando
estava contigo e quando estava distante fisicamente, sempre cuidei, zelei,
rezei e pensei em ti.
Curioso como os detalhes que permanecem, remanescem como pequenos brilhantes
guardados numa caixinha de joias, como se fossem lágrimas de alegria que se
transmudaram em pequenas pedras preciosas. Gozado como o coração é um bicho
teimoso, danado, mesmo quando a cabeça é tomada pela labuta diária, pelas
preocupações da rotina, o coração vem e expulsa o racional deixando o silêncio
do final do dia com gosto de beijo, com jeito de abraço, com cheiro de lavanda.
Gozado como a memória é gentil nestas horas e espanta qualquer cisco de
indiferença. Nunca consegui ficar indiferente a ti. E continuo sem ficar. O
tempo, ah, o tempo pode ajudar, mas suspeito que serei acometido de muitos
abraços do silêncio, de beijos ternos da memória e agraciado com sorrisos que
só eu entendo e que são só meus. Só meus.