terça-feira, 24 de abril de 2012

Crônica: Tela de cinema

Tela de Cinema, RLBF

Fez-se silêncio. Não a ausência de som e ruído externo, mas um mergulho contemplativo, quase um transe que o fazia ignorar tudo ao seu redor. Alheio ao burburinho em plena Avenida Paulista, no meio da manhã, estava tomado de uma nostalgia estranha, inexplicável. Ansiava por algo desconhecido, sentia uma vontade de embriagar-se nas lembranças, nas imagens da memória. Repassar e reviver. Retornar ao ponto inesgotável de alegria, uma sucessão de momentos únicos.

O tempo deveria ser congelado de modo que pudesse mirar e admirar seu rosto, em estado de graça, quase uma reverência sagrada, quase uma adoração servil.

Uma nostalgia saudosa que lhe deixara confuso. Sentia o prazer da lembrança e a dor da saudade. Queria fotos, queria sons, queria sentir o perfume, o toque da pele, o leve roçar dos cabelos no seu rosto, o olhar discreto e disfarçado pelas curvas dela, pelo decote a revelar um pequeno indício dos seios, vibrando ao descobrir parcialmente a asa tribal da bela tatuagem que adornava seu corpo, pelo cantar de sua risada, pela explosão de alegria e de entusiasmo ao falar, pela manhã preguiçosa conversando e ouvindo música. Desejou o impossível: a materialização do passado no momento presente! A ausência trouxe-lhe a ferida do vazio, qual tela de cinema límpida e alva, despida de qualquer vida, passiva a observar os espectadores. O filme que tanto imaginara já tinha acabado. E não seria exibido novamente. A única cópia destruída. Restava-lhe, apenas, reavivar a memória e vivenciar um sonho no delírio do transe urbano.

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