| foto by @rbueloni |
O sol de Montevideo
O trajeto do aeroporto de Carrasco até o hotel demorava
pouco menos de uma hora. Jordi aguardava por Eugênio na área de desembarque.
Não havia necessidade de uma placa de identificação, pois Eugênio ia todo mês a
Montevideo e por lá ficava alguns dias. O motorista da empresa estava sempre a
postos e aguardava-o com paciência. Logo que Eugênio apareceu, saudou Jordi de
forma cordial, perguntou se o Peñarol havia ganho o jogo do final de semana,
ouvindo uma resposta negativa. Seguiram até o veículo e Eugênio foi no banco de
trás, como de costume. Nas primeiras vezes que viera à cidade, preferia andar
no banco da frente e apreciava o caminho, perguntando a Jordi sobre os pontos
mais importantes. Aos poucos, a rotina foi matando o ar de novidade e
curiosidade de Eugênio. Jordi, por sua vez, não cansava de admirar o estuário
do Rio da Prata e as praias ao longo do caminho. Certa vez perguntou a Eugênio
por que havia perdido o interesse pela cidade. A resposta veio quase que
automática: tenho que aproveitar esta hora para trabalhar, há muito o que
fazer. Jordi silenciou, mas não concordara com o chefe.
A luminosidade do final da manhã deixava as águas do rio da
Prata ainda mais vivas e de um azul escuro mais profundo. Algumas pessoas
seguiam de bicicleta pelo calçadão ao lado da longa rambla que os levaria ao
hotel, localizado no centro velho da cidade. Outras corriam e faziam seus
exercícios matinais. Era comum encontrar pessoas de mais idade caminhando,
sentadas nos bancos apreciando o sol matinal de outubro ou lendo algum livro.
Era possível identificar um ou outro pescador, ainda que fosse segunda-feira. O
trânsito estava favorável e Eugênio não tirava os olhos do celular e de alguns
relatórios que trazia consigo. O telefone tocou e ele não atendeu. Passaram
pela praia de Pocitos e Jordi perguntou se gostaria que fizesse uma reserva
para jantar no Zarzuela. A resposta foi um grunhido inaudível que mais parecia
irritação com a interrupção desnecessária. Jordi entendeu que deveria ficar
quieto, mas achou grosseira a forma como Eugênio retrucara.
Chegaram ao hotel NH Columbia, na Cidade Velha, bem diante
do rio e da rambla. Eugênio gostava daquele hotel por ser diante das águas.
Costumava correr na rambla pela manhã ou no final de tarde, contemplando o pôr
do sol tão famoso da cidade. Aos poucos, trocou a corrida de rua pela esteira
da academia do hotel. Faltava-lhe tempo, dizia. O trabalho consumia cada segundo,
cada minuto de sua jornada. A trilha sonora de seus dias havia sido capturada
da música dos Titãs e assim ele só se preocupava com o que pode dar certo, não
tinha tempo a perder.
Desceu do carro e na recepção do hotel foi atendido por
Milagros, que já o conhecia de visitas passadas. Seu quarto será o 702,
seguindo suas recomendações. Ele agradeceu, pegou a chave e rumou para o
elevador. O telefone tocou novamente. Era a quinta vez que sua secretária
ligava. Como não havia mensagem de whatsapp, ignorou. Não devia ser nada
urgente, pensou. Entrou no quarto, abriu as cortinas deixando a luz invadir o
ambiente. Ele não reparou no céu azul, no navio de cruzeiro que se dirigia ao
porto, nas crianças que caminhavam com seus uniformes de escola, no vendedor de
pipoca que seguia pelo calçadão, nos carros que passavam pela larga avenida
costeira.
O telefone tocou mais uma vez. Diga Beatriz, o que foi. Já
pedi para me mandar recado quando for urgente ao invés de ficar ligando!,
esbravejou. Ela, do outro lado da linha, com a voz hesitante disse que a
secretária do Dr. Flávio havia ligado e precisava falar com urgência. Eugênio
engoliu seco. Sentiu as pernas bambearem e o coração acelerar.
O médico era um amigo de longa data. Estudaram juntos no
colégio. A secretária atendeu e logo transferiu a ligação. O médico foi
objetivo e direto. O resultado da biópsia indicava que se tratava de um tumor
maligno. Era preciso fazer uma cirurgia para retirada do câncer e depois dar
início à quimioterapia. Não havia tempo a perder. A indicação atingiu Eugênio
como um soco direto no queixo. Gaguejou para responder e disse que só voltaria
para São Paulo no sábado. O médico repetiu o diagnóstico e alertou: acho que
você não entendeu. Se eu fosse você, voltava para o aeroporto agora e pegava o
próximo voo!
Um silêncio pesado inundou o quarto após a ligação. Eugênio
apoiou as mãos na mesa de trabalho diante da janela, baixou a cabeça e começou
a chorar. A vida lhe brindava com uma surpresa. Quando ergueu a cabeça e olhou
pela janela, deparou-se com a imagem de Nossa Senhora no topo da residência das
irmãs vincentinas ao lado do hotel. A imagem reluzia com o sol, brilhava de um
jeito mais forte do que das outras vezes. O manto azul tinha estrelas
desenhadas e o rosto maternal parecia brindar-lhe com um sorriso