Dia branco, by @missuniversoproprio |
UM DOMINGO QUALQUER
O sol adentrava pela janela da sala, ainda tímido, naquela
manhã fria de final de inverno paulistano. Com uma xícara de café, daquelas
grandes, sentou-se na poltrona ao lado do sofá, esticando as belas pernas e
apoiando-as sobre a mesa de centro. Contemplava os raios que penetravam pela
janela, invadindo seu espaço privado. Segurou a xícara com as duas mãos,
aproveitando o calor da porcelana azul. Uma das cachorras aproximou-se e apoiou
a cabeça sobre sua coxa, pedindo um carinho matinal.
Bebericou o café, levantou-se, abriu a porta da varanda e
ficou a ouvir o ruído tranquilo e preguiçoso da manhã de domingo. Não havia
carros, ônibus, motos ou qualquer outro barulho de veículo motorizado, apenas uma leve
brisa a criar um rebuliço nas folhas das árvores da praça em frente. Alguns
poucos pássaros se agitavam entre as folhas e a cidade ganhava contornos de
cidade de interior, onde prevalecia apenas o cantar da natureza. Achou estranho
o silêncio, mas percebeu um certo reconforto, um acolhimento tranquilizador da
metrópole. Sentiu frio nos pés descalços e voltou a entrar.
A cada novo dia a esperança renasce no ser, no viver. Um
vestido plúmbeo de alça fina caiu-lhe bem. Era discreto o suficiente para não
chamar atenção, mas permitia realçar suas qualidades físicas, perceptíveis ao
olhar mais atento. Acendeu um cigarro e
deu uma longa tragada. Não era um vício, mas um prazer solitário que mantinha
desde os tempos de faculdade. Gostava de fumar e se divertia com as piruetas da
fumaça subindo da ponta do cigarro em brasa. Era um momento só dela, onde
vasculhava seu interior e refletia. Em tempos de exclusão de fumantes, sua casa
era um refúgio onde podia fumar sem reprimendas ou olhares tortos e condenatórios, onde podia
caminhar nua pelos cômodos sem olhares indiscretos de vizinhos, onde ouvia as
músicas que gostava e lhe davam energia para enfrentar cada dia.
Naquela manhã, não havia música no interior do apartamento,
apenas o silêncio. Quando estava compenetrada, sua beleza era mais notada. Os
olhos traziam consigo uma força inquebrável, não como um super-herói de filme
da Marvel em que um raio destruidor está prestes a brotar dos olhos da heroína,
mas se assemelhavam a de uma esfinge que nos convida a decifrá-la, se é que é
possível decifrar o pensamento e o âmago de uma mulher.
Apagou o cigarro, amarrou um lenço de seda no pescoço,
checou a bolsa, pegou o celular e hesitou. Estava na hora de ir, mas sentiu
medo. As mãos estavam geladas. Respirou fundo e deu um passo em direção à
porta. Não era possível mais adiar aquela conversa. A amiga não imaginava o
assunto, mas ela precisava falar e derramar sobre a mesa tudo que sabia.
Guardar para si o que tinha visto tornara-se sufocante, um peso impossível de
carregar. Precisava dar vazão a tudo que estava retido, mesmo que pudesse
custar a longa amizade. Abriu a porta e chamou o elevador.