Minimal is Good 8 by Raid71 |
CONTO: FINO TRAÇADO
As ondas abraçavam seus pés à beira-mar com delicadeza. Um
abraço mais frio do que o usual, afinal inverno no Rio de Janeiro traz consigo
águas marinhas mais frias, mas nada que lhe incomodasse. Seria muita pretensão
reclamar do inverno no Rio de Janeiro, se é que podemos chamar de inverno uma
época onde a temperatura baixa alguns poucos graus e o sol continua a brilhar
sem trégua.
O mar estava calmo e a praia semideserta naquele ponto do
Leme. Olhou para baixo e deixou-se hipnotizar pelo ritmo constante das ondas
calmas, que vinham, acariciavam sua pele, depois iam-se sem cansar. Perdeu-se
na contemplação do mar, algo que nunca lhe cansava. Eram mais de quarenta anos
morando naquela cidade de São Sebastião, abençoada por uma beleza natural
inigualável, à beira do oceano que lhe parecia infinito quando criança.
Marina nascera no Leme. Seus avós moravam em Copacabana.
Seus tios entre estes dois bairros. Vivia cercada de primos e família. A vida
era boa. Não havia do que reclamar. Veio a adolescência, a faculdade de
economia na PUC, o casamento com o Bernardo, o nascimento de Laura, a briga, as
discussões, a separação. Um roteiro tão previsível quanto tema de novela.
Nenhuma separação passa incólume. Deixa cicatrizes na pele, sulcos no coração, marcas
na alma.
Ficou de cócoras e passou a desenhar na areia com um dedo.
Um longo e fino traçado sinuoso logo era apagado pelas ondas. Seria tão bom,
pensou, se as lágrimas derramadas tivessem o poder mágico de apagar feridas
como as ondas do mar alisam a areia, apagando pegadas, destruindo castelos
construídos por crianças, varrendo o lixo abandonado por cidadãos mal educados.
Lágrimas seriam um santo remédio, mas não são nada mais do que o acúmulo de dor
em forma líquida, que jorra por um vertedouro, esvaziando o reservatório
interno com capacidade que parece nunca se esgotar. Só o tempo prova que aquela
caixa d’água interna é finita. Em certa hora, as lágrimas secam, a dor se esvai
e a alma volta a vibrar diante da vida.
As lágrimas de Marina ainda não haviam cessado. Desejava
tanto que pudessem lavar a pele e arrancar as cicatrizes, deixando a pele igual
à de um recém-nascido. Quis acelerar o tempo, quis voltar no tempo. Tudo
parecia confuso e embaralhado.
Voltou a desenhar na areia uma silhueta feminina, como
Bernardo fazia ao percorrer cada recanto de seu corpo. Com a ponta do dedo,
deslizava por sua pele, descobrindo curvas, recantos, detalhes. Ele parecia
retratar seu corpo numa tela em branco, com leves pinceladas de cor e vida. Ela
ficava admirada com o carinho e as palavras que marcavam aqueles momentos de
início de relacionamento. O tempo parava, os problemas desapareciam, o trabalho
da faculdade que estava atrasado evaporava, a doença do avô era esquecida. Tudo
era simples e parecia fácil.
Uma linha. Uma onda. E tudo desapareceu.