terça-feira, 7 de agosto de 2018

Conto: Fino traçado

Minimal is Good 8 by Raid71


CONTO: FINO TRAÇADO



As ondas abraçavam seus pés à beira-mar com delicadeza. Um abraço mais frio do que o usual, afinal inverno no Rio de Janeiro traz consigo águas marinhas mais frias, mas nada que lhe incomodasse. Seria muita pretensão reclamar do inverno no Rio de Janeiro, se é que podemos chamar de inverno uma época onde a temperatura baixa alguns poucos graus e o sol continua a brilhar sem trégua.  

O mar estava calmo e a praia semideserta naquele ponto do Leme. Olhou para baixo e deixou-se hipnotizar pelo ritmo constante das ondas calmas, que vinham, acariciavam sua pele, depois iam-se sem cansar. Perdeu-se na contemplação do mar, algo que nunca lhe cansava. Eram mais de quarenta anos morando naquela cidade de São Sebastião, abençoada por uma beleza natural inigualável, à beira do oceano que lhe parecia infinito quando criança.

Marina nascera no Leme. Seus avós moravam em Copacabana. Seus tios entre estes dois bairros. Vivia cercada de primos e família. A vida era boa. Não havia do que reclamar. Veio a adolescência, a faculdade de economia na PUC, o casamento com o Bernardo, o nascimento de Laura, a briga, as discussões, a separação. Um roteiro tão previsível quanto tema de novela. Nenhuma separação passa incólume. Deixa cicatrizes na pele, sulcos no coração, marcas na alma.

Ficou de cócoras e passou a desenhar na areia com um dedo. Um longo e fino traçado sinuoso logo era apagado pelas ondas. Seria tão bom, pensou, se as lágrimas derramadas tivessem o poder mágico de apagar feridas como as ondas do mar alisam a areia, apagando pegadas, destruindo castelos construídos por crianças, varrendo o lixo abandonado por cidadãos mal educados. Lágrimas seriam um santo remédio, mas não são nada mais do que o acúmulo de dor em forma líquida, que jorra por um vertedouro, esvaziando o reservatório interno com capacidade que parece nunca se esgotar. Só o tempo prova que aquela caixa d’água interna é finita. Em certa hora, as lágrimas secam, a dor se esvai e a alma volta a vibrar diante da vida.

As lágrimas de Marina ainda não haviam cessado. Desejava tanto que pudessem lavar a pele e arrancar as cicatrizes, deixando a pele igual à de um recém-nascido. Quis acelerar o tempo, quis voltar no tempo. Tudo parecia confuso e embaralhado.

Voltou a desenhar na areia uma silhueta feminina, como Bernardo fazia ao percorrer cada recanto de seu corpo. Com a ponta do dedo, deslizava por sua pele, descobrindo curvas, recantos, detalhes. Ele parecia retratar seu corpo numa tela em branco, com leves pinceladas de cor e vida. Ela ficava admirada com o carinho e as palavras que marcavam aqueles momentos de início de relacionamento. O tempo parava, os problemas desapareciam, o trabalho da faculdade que estava atrasado evaporava, a doença do avô era esquecida. Tudo era simples e parecia fácil.

Uma linha. Uma onda. E tudo desapareceu.