A manhã de verão é cinza e regada por uma chuva constante que abafa o
atrito dos carros nas ruas e o ronco dos ônibus acelerando. A chuva obriga
todos a sacarem sua mais perigosa e poderosa arma: o guarda-chuva.
Visto do alto de algum prédio em uma movimentada avenida, parecem
coreografados, em diversas cores e estampas, bolinhas, desenhos, marcas,
listras. Numa São Paulo de outrora, eram todos pretos, sisudos e carregados por
senhores usando chapéus. Na sampa moderna, o guarda-chuva ganhou cor, passou a
ser fabricado na China e surgem no mais impressionante fenômeno de geração
espontânea às portas do metrô com camelôs vendendo 1 por 10, 2 por 18 e 3 por
25. Basta começar a chover, que aparecem num passe de mágica.
Os guarda-chuvas, Renoir |
Mas toda a beleza e serenidade da dança dos guarda-chuvas na cidade
banhada pela chuva transmuda-se em aventura radical e perigosa. Se você, caro
leitor, tem pouco mais de 1,75m, com certeza irá se deparar com as perigosas
agentes armadas de uma arma letal: o guarda-chuva. Sim, ele pode ser usado para
lhe tirar a vida. Sejamos mais realistas, podem lhe cegar, causar alguns
hematomas, mas matar seria um exagero.
Vou revelar a identidade secreta destas agentes perigosas, que armadas
vagueiam por dias chuvosos escondidas debaixo de seus guarda-chuvas. Refiro-me
às senhoras idosas e a todo e qualquer cidadão com menos de 1,65m e que ande
com o guarda-chuva praticamente colado na cabeça. Ao caminhar pela calçada,
estas agentes não desviam – e também não te veem. É preciso ficar esperto para
desviar dos pontiagudos ferros que seguram o plástico da camada protetora do
pedestre. Estas agentes caminham em linha reta, obrigam-no a sair debaixo de
marquises e lançam qualquer pedestre que vier em sentido contrário no meio da
rua. E se você reclamar, é capaz de levar uma guarda-chuvada na cabeça ou no
braço.
Repare, meu caro leitor, como o ato de caminhar por uma rua movimentada
num dia de chuva pode ser uma perigosa aventura. Qualquer dia algum prefeito
ainda vai inventar o rodízio de guarda-chuva definido por data de aniversário:
dias ímpares para quem nasceu em dia ímpar e dia par para quem nasceu em dia
par. E ai de quem reclamar!
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