sexta-feira, 12 de abril de 2013

Conto: Meu medo


O grito, de Edvard Munch

MEU MEDO


Levantou-se da cama afastando o lençol e caminhou até a mesinha onde repousava o maço de cigarros dela. Estava nu, porém não se intimidara com o fato de que o corpo não guardava mais a firmeza da juventude. Lembrava mais uma gravura do Gustavo Rosa, do que o Davi de Michelangelo. Pegou o maço e fez um gesto silencioso pedindo-lhe autorização para subtrair o pequeno bastonete de tabaco de propriedade dela.  Ela não se espantou com o pedido, apesar dele não fumar. Sentou-se na cama, coberta pelo lençol, deixando apenas os ombros de fora, o que propiciou o rápido comentário dele.

- Está parecendo uma ninfa, minha querida!

Abriu a porta da sacada e deu uma longa tragada, totalmente indiferente ao fato de que estava nu. Era final de tarde e ainda havia luz suficiente para que um vizinho do hotel pudesse observá-lo.

- Não tem medo de que alguém te veja aí fora peladão? – perguntou a bela companheira com um ar cômico.

- Não....meu medo é outro.

E fez uma longa pausa, aguardando que ela interrompesse o silêncio com a pergunta.  Se ela aquiescesse ao silêncio, saberia que aquele encontro seria apenas um momento de luxúria perdido no tempo, numa tarde qualquer; se ela perguntasse, teria a certeza de que o que acontecera entre eles havia ultrapassado o meramente carnal.

Não tardou a que a doce voz dela soasse com a interrogação: qual é seu medo?


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