CONTO: PODEMOS SER UM LIVRO?
- Podemos ser um livro?
- E que livro
seríamos? Um com final trágico ou com final feliz?
- Não sei.
- Gosto de finais felizes, mas penso que há muita falsidade
em finais lindos e maravilhosos, rosáceos ou coloridos. A realidade não é linda
e maravilhosa, ninguém acorda linda e perfumada; bem, você é uma exceção à
regra.
Ela sorriu e aceitou o galanteio com humildade, certa de que
ele exagerava de novo, como fazia diante de todos os defeitos dela que pareciam
se transmudar em qualidades.
- Que tal Romeu e Julieta?
- Não, teríamos que morrer no final. Se a ideia é Shakespeare,
que tal A Megera Domada? Afinal, parece exigir um homem de pulso forte! – disse
em tom de brincadeira.
- Gozadinho você, não? Proposta rejeitada. Vamos continuar.
O que mais?
- Não penso numa tragédia de grandes proporções, como um
terremoto, furacão, tsunami, afinal, estas coisas não ocorrem no Brasil. Penso
que só o fato de terminarmos juntos já traria embutido uma carga trágica. Não
gosto de pensar num final assim, ainda que seja provável. Prefiro os capítulos
intermediários, as risadas, as briguinhas, as desavenças, a compreensão, a
apreensão, o fazer as pazes, a troca de olhares. O começo já está escrito. Agora
faltam os outros capítulos. Serão muitos?
-Será que conseguimos postergar o final, como uma série que
nunca acaba, como se em certo momento nos dissipássemos no universo etéreo levado
por um vento rumo ao poente, desmaterializados. Será?
Ele sorriu, segurou-lhe as mãos e beijou sua boca.
-Vamos tentar?
Nenhum comentário:
Postar um comentário