"Naquela época eu falava muito pouco com o meu pai. Ele chegava em casa à noite, exausto, e eu já tinha jantado e na maioria das vezes estava dormindo. Se eu fosse contar o tempo que passávamos juntos por semana não daria mais que algumas horas, e como nessas horas estavam incluídos os discursos sobre os judeus que morreram nas Olimpíadas de 1973, os judeus que morreram em atentados da OLP, os judeus que continuariam morrendo por causa dos neonazistas na Europa e da aliança soviética com os árabes e da inoperância da ONU e da má vontade da imprensa com Israel, é possível que mais da metade das conversas com ele teve comigo girassem em torno desse tema."
(Diário da Queda. São Paulo : Companhia das Letras, 2011, p. 36)
"É a quinta vez que venho à Alemanha, e a primeira deois de ter um livro publicado aqui. Meu pai era de Berlim, emigrou para o Brasil por causa do nazismo e morreu antes do lançamento de Diário da Queda, que tem um personagem com trajetória semelhante, embora seja menos autobiográfico do que parece. Às vezes passo semanas sem pensar no meu pai, mas nos últimos dias sinto saudades dele. a viagem ganha um toque sentimental inesperado, que me faz contar em público histórias sobre ele que nunca contei. Ao mesmo tempo, a ideia de usar a memória privada de alguém para promover um livro me constrange."
(Michel Laub, "Semimorto em Frankfurt" in Revista Piauí 86, novembro de 2013, p. 34)
Meu primeiro contato com Michel Laub foi na cerimônia de entrega do Prêmio Portugal Telecom de Literatura de 2012, quando concorreu na categoria romance. Troquei algumas palavras com o escritor. No final, os convidados podiam escolher um livro para levar para casa. Escolhi o Diário da Queda (Companhia das Letras, 2011). Logo em seguida, li seu texto publicado na Granta em português (volume 9) e gostei do estilo, da forma narrativa, da novidade.
Confesso que sempre busco algo novo nos livros que leio. Quer seja um estilo narrativo, quer seja um ponto de vista ou uma forma de contar a estória. A mesmice é bestificante e pouco provoca o leitor.
Somente em outubro deste ano iniciei a leitura da obra. O primeiro terço fluiu muito rapidamente e o estilo de Michel Laub ficava mais patente a cada parágrafo, a cada página. Em dado momento, pareceu-me que ele perde o foco narrativo, a estória derrapa, pois é contada em camadas espiraladas e a cada volta no espiral, compreende-se melhor a estória.
O livro é narrado em primeira pessoa, em tom confessional. O final surpreende pela beleza e pela epifania do narrador que aparenta redescobrir a alegria de viver.
Em síntese, o livro trata do relacionamento entre um pai e o filho (narrador), suas crises, a revolta diante da religião da família, conflitos diante da herança familiar - não do ponto de vista financeiro, mas do ponto de vista histórico e cultural -, a descrença no ser humano, a perda da razão de viver com o alcoolismo e a epifania final.
Michel Laub trabalha com a memória, tema que tem sido tão bem explorado por escritores brasileiros contemporâneos e jovens, tais como Daniel Galera e Tatiana Salem Levy. Esta última trabalha a memória tanto em Dois Rios, como em A Chave de Casa (2007). Seria esta uma temática dominante nos jovens escritores brasileiros? Só tempo dirá.
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