terça-feira, 30 de julho de 2019

Conto : Diálogos Soltos




DIÁLOGOS SOLTOS


- Não gosto dos meus pés. Acho-os feios.


- Eu gosto deles. Você está enganada, mas eu já sabia desta tua opinião um tanto quanto rigorosa consigo mesma. Sempre tem algo que não gostamos em nós mesmos. É uma visão subjetiva, distorcida. Lembro de você ter postado um story no Instagram em que posicionava seu pé ao lado de uma amiga e dizia que seu pé era feio, que parecia de homem. Minha vontade foi de mandar uma mensagem e retrucar seu autojulgamento rigoroso, tão impiedoso. Pois saiba que eu sempre gostei deles. Desde as primeiras fotos tuas, sempre olhei para teus pés. Reparo nos pés assim como reparo nas mãos. E como você gosta de usar estas sandálias rasteiras que deixam o pé aparente, quase que totalmente desnudo, salvo pelas finas tiras de couro que o envolvem.

- Você está sendo muito poético e exagerado, Ricardo, afinal são só pés. Ou teria você um fetiche por eles? – indagou com um leve sorriso malicioso.

- Não sou podólatra, mas acho seus pés delicados, bonitos e adoro te ver andando descalça, ou sentada no sofá fazendo aqueles malabarismos com as pernas cruzadas ou sentada sobre as pernas. Pode parecer besteira, mas percebo seu estado de ânimo pelo modo como você anda descalça pela casa. O som muda conforme seu humor. Talvez poucos homens reparem nos pés femininos, até porque homem não costuma olhar para baixo quando está diante de uma mulher. Principalmente se for bonita – e sorriu com o olhar fixo no dela. Vai ver que é por isso que vocês são tão fascinadas por sapatos. O sapato nada mais é do que a roupa do pé, uma vestimenta que abraça e acalenta tão delicada parte do corpo.

- Nossa! Estou adorando esta louvação que faz tão bem para minha autoestima.

- Como se você precisasse de alguém para elevar tua autoestima...

- Todo mundo gosta de um elogio sincero. Ainda mais quando se percebe que é um elogio inteligente e que lembrou de um detalhe tão banal e distante. Mulher gosta de homem que sabe reparar nos detalhes e que se lembra deles.

Ricardo sorriu encabulado e sentiu naquele momento algo de novo em relação a ela, algo mais do que o simples afeto de amigo. Tomou um gole de sua cerveja, reparou na sandália dela de forma discreta e mudou de assunto.


segunda-feira, 1 de julho de 2019

Conto: Florescendo sem máscaras


by Erika Santiago sobre criação original de @_flordesaturno 


FLORESCENDO SEM MÁSCARAS


Estava exausta no final de mais um dia atribulado, onde fora preciso esconder sentimentos, vontades, desejos, sorrisos. As máscaras serviram de escudo para disfarçar a realidade. Tirou a maquiagem e deixou-se cair sobre o sofá. Despiu-se das máscaras e deixou os pés descalços sentirem o calor do piso. Libertos, enfim! Fechou os olhos e imaginou o silêncio da noite rural, onde poderia brincar com a grama molhada pelo orvalho a cutucar seus pés, o cheiro da terra a invadir suas narinas, o ar fresco da noite recém chegada. Raízes pareciam brotar de suas pernas, solo adentro, fixando-a e dando-lhe vigor. Esticou os braços e deles brotaram ramos e galhos e folhas, lindas flores substituíram seus dedos. Floresceu sem máscaras, sem fantasias. Abelhas extraíram o pólen e as flores viraram frutos. E com os frutos maduros semeou beleza, alegria, espalhou sorrisos e percebeu que as máscaras escondem quem ela é: única e bela.