PASSAGEM DO TEMPO
Parou diante das amplas janelas de vidro do berçário, as
mãos nos bolsos, a calmaria ainda reinava em mais uma manhã que começava no
hospital maternidade. Julia, Sophia, Lucas, Vinicius, Rafaella, Augusto.
Dormiam o sono dos justos os recém-nascidos que ignoravam o que o mundo lhes
reservava. Tocado por aqueles pequenos seres, refletiu sobre o que a vida lhe
brindara. Não experimentaria a paternidade de novo. Ao menos não na forma
natural e com a atual esposa que já devia ter entrado no centro cirúrgico para
uma histerectomia.
Sentiu o peso dos anos, a passagem do tempo, o
envelhecimento que presenteara com cabelos brancos visíveis, mas sem qualquer
sinal de calvície. A pequena Julia
não se mexia. Dormia calma, tranquila, coberta por um cobertor rosa, cabelos espetados
e bem escuros. O sorriso discreto e contido desenhou-se no seu rosto, sem
esconder a melancolia, a frustração de não ter atingido muitos dos objetivos a
que tinha se proposto. Cobrava-se por isto.
Lembrou-se da primeira vez que viu a filha no berçário,
olhos abertos, atenta, desperta para o mundo e curiosa por tudo que a cercava.
Chorou naquele momento em que a paternidade se descortinou. Chorou de uma
maneira única e que lhe marcaria para sempre. As lágrimas derramadas naquela
madrugada tiveram o dom de cavar sulcos profundos em seu coração, que parecia
ser de granito.
Os ensaios haviam acabado e o momento da estreia havia
chegado. Em cartaz, o pai. Buscou
na memória os bons e maus momentos em que se apresentara em cena. No geral,
avaliou bem seu desempenho, sem
falsa modéstia. Era um bom pai. Tinha sido e continuava a ser. E pedia a Deus,
todos os dias, que continuasse a ser. Disfarçava suas fraquezas, poupava os
filhos e a esposa das dificuldades financeiras e das noites mal dormidas,
omitia as vezes em que deixava de almoçar para economizar o dinheiro e destiná-lo
para algum fim familiar.
O vazio inicial foi preenchido com a sensação de realização,
de trabalho bem feito, do sacrifício valer a pena, de ter cumprido a missão que
lhe fora confiada até o momento. Não experimentaria a paternidade de novo. Vivia a paternidade diariamente e isto
ninguém seria capaz de lhe tirar. Apesar dos pesares o que tinha era de uma riqueza
incalculável.
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