Pouco antes
das nove da manhã, havia passado por Atibaia e aproximava-me de Extrema, bem no
sul de Minas Gerais, logo depois da divisa com São Paulo. A Fernão Dias
serpenteava por entre morros verdes e o sol nascia preguiçosamente.
Viajar
sozinho dá um senso de liberdade e convida ao diálogo interior. Cada vez mais
me convenço que o Caminho de Santiago é na verdade um período de reflexão
pessoal em que o indivíduo é presenteado com desafios, dor, frio, calor, cansaço.
Todas estas mazelas humanas nos aproximam do divino, obrigam-nos a reconhecer
nossa fraqueza e do auxílio de uma força superior para superá-las.
Costumeiramente
viajo sozinho e invariavelmente converso sozinho em voz alta com interlocutors
imaginários. Fazem-me companhia. Os “diálogos” me ocupam e são um exercício de
reflexão; em alguns casos de recordação onde o pensamento voa para locais reais, mas distantes.
Mas
voltemos ao caminho pelo sul de Minas com trilha sonora de Maria Gadú, que
combinou perfeitamente neste início de viagem.
Entre
subidas e descidas na parte serrana da estrada, avistavam-se laterais de morros
com o fino orvalho a tingir o verde da vegetação e a refletir os raios solares
matinais. Tudo estático, tudo gratuito, tudo pronto para ser observado. Um
simples presente da natureza para quem quisesse observar e desfrutar daquela
paisagem.
Notei então
um homem, de chapéu de palha, a conduzir uma charrete. Pastagens, pequenas
casas esparsas aqui e acolá, plantações, gado. Um mundo perfeitamente rural.
Lembrei-me de Guimarães Rosa, que com sua genialidade conseguiu captar a alma
do homem simples, uma escrita tão própria e adequada àquele cenário. Confesso
minhas limitações em conseguir compreender o escritor – já tentei por diversas
vezes -, mas o que ali se descortinava me remeteu ao Burrinho Pedrês, a
Manuelzão e Miguilim e tantos outros.
Cidades como Nepomuceno, Natércia, Borda da Mata, Lambari, Carmo de Minas poderiam existir em outro lugar que não fosse Minas? Acredito que a resposta é negativa. Nepomuceno é um nome que parece materializar todo o universo de Guimarães Rosa.
Cidades como Nepomuceno, Natércia, Borda da Mata, Lambari, Carmo de Minas poderiam existir em outro lugar que não fosse Minas? Acredito que a resposta é negativa. Nepomuceno é um nome que parece materializar todo o universo de Guimarães Rosa.
Drummond,
na sua fase inicial, capta também a simplicidade da vida em Itabira.
Simplicidade não deve ser entedida como algo negativo, como o sujeito que é
despido de qualidade e cuja rotina deixa de ser interessante. Simplicidade é
qualidade daqueles que sabem valorizar o que é importante e se importam com o
que vale a pena. Pessoas que não se distraem com o supérfluo, mas sabem da
importância da palavra amiga, de um gesto de amizade, do valor do trabalho dedicado
e bem feito – ainda que custe. Simplicidade se manifesta em personagens
transparentes, cuja alma é transparente e refletem a luz divina.
Aquele
cenário revelou-se como um portal de saída do mundo urbano e cosmopolita de São
Paulo, para o mundo rural e de grande riqueza humana do interior. A mudança de
paisagem é fácil de ser notada e talvez isto tenha contribuído para despertar
minha reflexão. Nem notei quando a
música parou; estava tão imerso no diálogo com meus pensamentos que a viagem
seguiu leve e prazerosa.
Um comentário:
A melhor viagem é a que a gente para dentro...
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