quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Conto: Tempo Vazio



TEMPO VAZIO


Sinto-me vazio, raso, despido de profundidade, um fino tecido esticado sobre o varal que balouça ao sabor do vento, desenhando formas abstratas e geometricamente volumosas, que perdem todo o seu conteúdo quando o vento cessa. Vento que disfarça a vida oca com seus sopros que me ocupam o dia, incomoda-me com tarefas e mais tarefas. Entediado, entrego-me a elas para não reparar no tempo que corre, nos cabelos brancos que tingem minha cabeça, nas rugas da testa e nos cantos dos olhos. Não reparo nos dias que se apresentam enfileirados aguardando que lhes abra a porta.

O silêncio me esvazia, tornando-me quase insuportável. Não me olho no espelho. Recuso o confronto do olhar próprio, fujo de todo objeto que possa refletir e revelar o que carrego na alma. O vazio é a ausência de vida. Um marionete que age sem vontade e desconhece quem me guia e ordena meus movimentos, quem - se há alguém - ordena a sequência de fatos que se sucedem no meu dia cinza. 


Todos meus dias se tornaram cinzas, frios, gélidos para ser mais preciso. O sorriso alçou voo e me abandonou. A solidão se instalou na minha cama e convive comigo todos os dias da semana. Não tira férias e não tira folga. Para ela, todos os dias são dias úteis, todas as horas são momentos para me atormentar. Ninguém me escuta - ou tem a paciência para me escutar; ninguém é caridoso e me dirige um olhar. Deslizo por este mundo como um fantasma esquecido. Não tenho mais amigos, não tenho família. Sou um solitário no meio das gentes, no meio do egoísmo que assola aqueles que se acotovelam e dividem comigo o espaço no metrô todos os dias, todas as manhãs, todas as tardes. 

Não sorrio. Não falo. Apenas assisto ao tempo passar. 

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