sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Crônica: Inspiração


"Quando a inspiração evapora, recorro ao teu olhar e me perco nesta imensidão." Era assim que ele me explicou, certo dia, a origem da vertente criativa para escrever e afirmou que era inesgotável. Nunca me disse de quem eram os olhos, se eram reais, fruto de uma paixão antiga ou brotados de um sentimento platônico.  Não precisava tê-los diante de si, pois parecia ter na imaginação o retrato perfeito dos olhos da musa. Com precisão microscópica, seria capaz de descrever a íris, a pupila, as pálpebras, os cílios. Não era, porém, do exterior que extraía a seiva da inspiração, mas do que conseguia ver por detrás daquele cristalino.

Os olhos eram como uma vitrine, uma janela, um portal que o convidava a mergulhar, que não aceitava apenas uma olhadela. Exigia um mergulho de corpo inteiro, de cabeça, sem cerimônia ou titubeios, sem amarras. O numeral oito deitado a formar uma aparente máscara na verdade retratava o infinito que se desvelava para o aventureiro corajoso a ingressar naquele universo. Infinito. Ou melhor, infinita a inspiração que emana daquele olhar.

Certa vez, num estado que parecia de transe, iniciou um belo discurso poético a louvar-lhe. Comparava o pingente com o símbolo do infinito cravejado de pequenas pedras aos olhos dela. Mais belos que o infinito, mais belos que a uma inesquecível orla marítima, mais belos que uma pintura de Van Gogh, mais belos que uma sonata de Mozart. E assim proferiu seu longo discurso de louvor, entediando os que o tinham por louco e arrancando suspiros e lágrimas das moçoilas que o ouviam. Repousava toda sua admiração e atração naquele misterioso olhar.

Um belo dia não compareceu à faculdade. Fomos informados de que seu coração parara de bater enquanto dormia. Ele nos deixou, mas a inspiração jamais morrerá e viverá em nossas memórias.