"Quando a inspiração evapora, recorro ao teu olhar e me perco
nesta imensidão." Era assim que ele me explicou, certo dia, a origem da vertente criativa para escrever e afirmou que era inesgotável. Nunca me disse de quem eram os olhos,
se eram reais, fruto de uma paixão antiga ou brotados de um sentimento
platônico. Não precisava tê-los diante
de si, pois parecia ter na imaginação o retrato perfeito dos olhos da musa. Com
precisão microscópica, seria capaz de descrever a íris, a pupila, as pálpebras,
os cílios. Não era, porém, do exterior que extraía a seiva da inspiração, mas
do que conseguia ver por detrás daquele cristalino.
Os olhos eram como uma vitrine, uma janela, um portal que o convidava a mergulhar, que não aceitava apenas uma olhadela. Exigia um mergulho
de corpo inteiro, de cabeça, sem cerimônia ou titubeios, sem amarras. O numeral
oito deitado a formar uma aparente máscara na verdade retratava o infinito que
se desvelava para o aventureiro corajoso a ingressar naquele universo.
Infinito. Ou melhor, infinita a inspiração que emana daquele olhar.
Certa vez, num estado que parecia de transe, iniciou um belo
discurso poético a louvar-lhe. Comparava o pingente com o símbolo do infinito
cravejado de pequenas pedras aos olhos dela. Mais belos que o infinito, mais
belos que a uma inesquecível orla marítima, mais belos que uma pintura de Van Gogh,
mais belos que uma sonata de Mozart. E assim proferiu seu longo discurso de
louvor, entediando os que o tinham por louco e arrancando suspiros e lágrimas
das moçoilas que o ouviam. Repousava toda sua admiração e atração naquele misterioso olhar.
Um belo dia não compareceu à faculdade. Fomos informados de
que seu coração parara de bater enquanto dormia. Ele nos deixou, mas a
inspiração jamais morrerá e viverá em nossas memórias.
Um comentário:
Gostei👍
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