Às vezes a inspiração me foge, as palavras desobedecem,
comportam-se mal, não param quietas, algo semelhante a remontar um aparelho
eletrônico depois de desmontado, quando as peças não se encaixam e sempre
parece sobrar algum parafuso. Talvez fosse a ausência do silêncio; talvez a
falta de recolhimento; talvez a falta de leitura; talvez o excesso de trabalho;
talvez a sua falta.
Um texto e mais outro que não me agradaram, ficaram
disformes, sem fluidez, pedra bruta não lapidada e que ao tentar lapidar,
quebrava-se. As ideias confusas e a irritação aumentava. Inspiração parecia
ter-me abandonado para sempre. Frustrei-me. Deixei mais um texto de lado, pela
metade e segui o conselho de Ignácio Loyola Brandão: se a inspiração lhe
escapa, procura-a na rua. Lancei-me no caminho a observar. Sem sucesso. Sem
aviso, bastou-me avistar teu rosto que a inspiração pareceu jorrar água da mina
mais pura.
Josué Montello tinha por hábito iniciar sua jornada como
escritor com o dia ainda escuro. Sempre estranhei tal hábito, pois demorava um
pouco a despertar e a organizar as ideias. Com os anos de vida percorridos, as
horas frescas da manhã são as mais prolíferas. A mente limpa torna as ideias
mais cristalinas e precisas, os resquícios dos sonhos da noite anterior dão
pistas e sugestões para o dia que nasce, alimentam a inspiração, sugerem uma
conduta ou aventura a algum personagem. Basta vencer a preguiça que as palavras
se comportam igual às crianças com seus uniformes ainda limpos no início de uma
jornada escolar.
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