O grito, de Edvard Munch |
MEU MEDO
Levantou-se da cama afastando o lençol e caminhou até a
mesinha onde repousava o maço de cigarros dela. Estava nu, porém não se
intimidara com o fato de que o corpo não guardava mais a firmeza da juventude. Lembrava
mais uma gravura do Gustavo Rosa, do que o Davi de Michelangelo. Pegou o maço e
fez um gesto silencioso pedindo-lhe autorização para subtrair o pequeno
bastonete de tabaco de propriedade dela.
Ela não se espantou com o pedido, apesar dele não fumar. Sentou-se na
cama, coberta pelo lençol, deixando apenas os ombros de fora, o que propiciou o
rápido comentário dele.
- Está parecendo uma ninfa, minha querida!
Abriu a porta da sacada e deu uma longa tragada, totalmente
indiferente ao fato de que estava nu. Era final de tarde e ainda havia luz
suficiente para que um vizinho do hotel pudesse observá-lo.
- Não tem medo de que alguém te veja aí fora peladão? –
perguntou a bela companheira com um ar cômico.
- Não....meu medo é outro.
E fez uma longa pausa, aguardando que ela interrompesse o
silêncio com a pergunta. Se ela aquiescesse
ao silêncio, saberia que aquele encontro seria apenas um momento de luxúria
perdido no tempo, numa tarde qualquer; se ela perguntasse, teria a certeza de
que o que acontecera entre eles havia ultrapassado o meramente carnal.
Não tardou a que a doce voz dela soasse com a interrogação:
qual é seu medo?
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