BISCOITO DA SORTE
Saiu
do escritório pouco antes das dezoito horas, como de costume. Amuada, passos
lentos e pesados, olhar opaco e distante, um cansaço tomara-lhe o ser. Algo que
não era de hoje, mas que se acumulara nos últimos tempos, talvez uma fase
passageira, mas que teimava em não dissipar. Seu estado de espírito contrastava
com a tarde quente e clara, de céu azul intenso e instigante, tão típico
daquela época do ano.
Ela,
porém, nem notou.
Caminhou
dois blocos e parou numa cafeteria simpática, onde refugiava-se ao final do
expediente e antes de enfrentar os constantes reclamos da mãe. O trabalho era
um momento de puro esquecimento. Havia tanto por fazer, o ritmo tão corrido,
que raramente deixava os problemas pessoais afetarem seu dia a dia. Sua cabeça
ocupava-se com a rotina do escritório sem deixar recantos mentais para o
desânimo. Lidava com os gracejos mais ousados – alguns de mau gosto – com
maestria e habilidade, sem deixar-se levar ou irritar. Era ágil e expedita,
eficiente e altamente produtiva. Escondia-se por detrás da rotina e não deixava
a menor sombra de dúvida sobre o que lhe afligia. Para todos do ambiente
profissional, para os colegas de trabalho, a vida para ela era um mar de rosas.
Tinha tamanho autocontrole no trabalho e apresentava uma aparência irretocável.
Não que fosse dissimulada. Ela gostava do que fazia, apenas separava o trabalho
da sua vida pessoal. Odiava intromissões e mexericos.
O
trabalho era seu refúgio seguro, sua rotina a invadir e afastar qualquer
pensamento que lhe pudesse causar-lhe mais insônia ou agravar a gastrite.
Pediu
um chá mate com limão com bastante gelo no copo. O garçom, prestativo, mas
formal, deixou o copo alto sobre a mesa sem lhe dirigir a palavra e deixando-a
imersa em seus pensamentos. O copo suava, transpirava em pequenas gotículas.
Percorreu a borda do copo com um dedo, descendo e cortando a camada uniforme de
pequenas gotas. Parou no meio do copo. Formara-se uma gota maior que empurrou
as demais e desceu pela lateral do copo. Uma lágrima não derramada por ela, mas
pelo ser inanimado diante dela. A lágrima, lenta e sinuosa, foi trilhando seu
caminho até formar uma poça na mesa.
Ao
brincar com o copo, reparou que não havia feito as unhas. Mal sinal. Toda
vez que não comparecia à sessão semanal na manicure e deixava as unhas sem
esmalte, pouco cuidadas, era um indício claro de que algo a incomodava. Desta
vez havia sido a dor na região lombar agravada por um sentimento inexplicável
de depressão. O desânimo invadira-lhe a alma de tal forma, que a rotina
se tornara pesada. Seria a idade a responsável por estes períodos mais
frequentes de mergulhos introspectivos? Por onde andava a alegria jovial que
lhe dominara nos anos anteriores? Em plena primavera carioca, o sorriso lhe
escapava.
O
olhar continuava longe, ausente. Consultou o relógio e ainda tinha um pouco de
tempo antes de enfrentar o metrô e uma rápida visita na casa da mãe, que sabia
não seria rápida nem agradável.
O
celular tremeu na bolsa e ela meteu a mão a caçar o aparelho. Pescou um pequeno
pacote branco com um biscoito da sorte, sobremesa que guardara do almoço no
restaurante chinês. Provocada pela curiosidade, abriu a embalagem, quebrou o
docinho ao meio e puxou a mensagem.
“Não
prives o mundo do teu sorriso. Se não consegues sorrir, volte seu olhar para
quem te faz sorrir e deixe-se contagiar.”
O
olhar ganhou brilho. Respirou fundo, tomou um gole do chá e contemplou o céu
pela janela.
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