segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Conto: Só Você


SÓ VOCÊ



Caminhavam lado a lado num final de tarde de pleno verão, a conversa alegre, a voz feminina que deixava notar uma alegria discreta e contida; ele mais ouvia do que falava, mas gostava assim. O sol iniciava sua saída do palco exuberante da geografia carioca e deixava a sombra tingir o paredão de prédios na Graça Aranha. O movimento intenso no Centro começava a amainar  com as pessoas procurando o metrô, os coletivos, a barca, o caminho de seu repouso. O céu azul completava o cenário quase perfeito, como se desenhado e projetado pelo melhor e mais genial cenógrafo. Haveria algum cenógrafo capaz de imaginar e conceber uma cenário como a Cidade Maravilhosa? Improvável, só Ele poderia ser capaz de presentear aqueles dois seres que caminhavam imersos em sua conversa, em seus sorrisos, em seus olhares.

Estavam tão próximos que ele teve vontade de segurar a mão dela, de sentir seus dedos entrelaçados com os dele, algo que parecia tão distante, quase esquecido. Andar de mãos dadas deixara de ser algo presente e se tornara um hábito da juventude, de paixões intensas e efêmeras, de momentos do passado, guardados e esquecidos. Desabituara-se a tal gesto.

Foram alguns quarteirões em busca de um ponto de táxi, ele torcendo para não encontrar nenhum, ela estendendo seu caminho, ambos evitando o momento da despedida. A saudade cobra sua fatura quando a despedida se aproxima. Chegado o momento, na esquina da Graça Aranha com a Santa Luzia, abraçaram-se. O abraço apertado, mas cuidadoso para não ressurgir a dor nas costas que ela sentira poucos dias atrás, as mãos deslizando pela maciez do tecido da blusa.

Ele fechou os olhos instintivamente e apertou-a contra seu corpo, como se ela fosse sua única tábua de salvação em alto mar e que pudesse lhe conduzir pelas águas turbulentas após um naufrágio. Não havia solidão espaço para solidão e nem para a saudade. O breve momento parecia congelar o tempo e tudo ao seu redor perdera a importância. Difícil é deixar partir! O longo abraço de despedida era uma vã tentativa de eternizar o momento e impedir que a inevitável partida.

Um beijo no rosto, um sorriso e a partida.

Entrou no taxi e acompanhou-a com o olhar encantado.

O sol poente tingiu o céu de tons róseos. Avistou o Cristo ao entrar no Santos Dumont. Lá de cima, Ele parecia sorrir e esperar um agradecimento pelo dia. Uma breve oração que brotou do coração.

Aconchegou-se na cadeira do avião, do lado direito, na janela. Tudo calculado e pensado. Reparou na música que brotava calmamente do alto-falante do avião. Os versos coroavam a peça da qual tinha sido protagonista. Além de cenógrafo, Ele é bom sonoplasta. E com Tom Jobim ecoando, ele novamente fechou os olhos e começou a acompanhar a letra:

É, você que é feita de azul
Me deixa morar nesse azul

Me deixa encontrar minha paz
Você que é bonita demais
Se ao menos pudesse saber


Ela estava bonita demais naquela tarde. A tarde estava bonita demais, mas ela estava mais. Ele O avião decolou, fez uma curva para a esquerda, logo para a direita e ele avistou Copacabana iluminada com a noite caída. Desejou-lhe boa noite e seguiu pensando nela. A saudade acalmada, mas sentida. A verdadeira dimensão da saudade só é notada no momento do reencontro, quando o tempo revela sem piedade o peso da ausência.

Alguns dias depois, quase que por acaso – ou novamente guiado pelo cenógrafo, sonoplasta e diretor – encontrou uma pequena mensagem escrita por ela: “Dia feliz hoje! Muito feliz!” Olhou a data e sorriu.


NOTA: Caro leitor, se a música de Tom Jobim lhe é desconhecida, escute-a aqui.

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